domingo, 2 de maio de 2010

A Inexorabilidade do Nada..

Quando estou "me achando" e sob qualquer surto megalomaníaco, uso como técnica para voltar "para casinha" uma visitinha ao site do Hubble, o aniversariante do mês(aliás). Quando entro naquelas imagens tudo volta à sua dimensão inicial e torna a seguir seu rumo incerto e ilógico, elucidando o ocaso de mais um delírio de grandeza deste exemplar da raça "humana" que aqui se manifesta.(tolinha)


Quando estou diante do inexorável torno-me apenas mais uma variável.


Esta semana li três matérias que , de alguma forma , convergem para um mesmo ponto de interseção: a tecnologia face ao que chamamos de mundo contemporâneo ou globalizado e o quão ingênuos somos ao nos acharmos tão perto do limite.


Um dos textos do médico e cirugião americano Atul Gawande sobre uma importante fronteira do conhecimento que é o cérebro humano. O artigo exibe, a partir de um estudo sobre a coceira, seu poder misterioso como chave para uma nova teoria sobre o cérebro e o corpo, uma revelação clara de como estamos distantes de desvendar a grande metáfora deste universo. Transcrevi um trecho extenso, mas significativo para sua compreensão clara . Ele afirma : " Um novo entendimento científico da percepção emergiu nas últimas décadas, suplantando crenças clássicas e multisseculares sobre o funcionamento do cérebro - embora ainda não tenha sido acolhida por toda a comunidade médica. A forma antiga de entender a percepção é a que os cientistas chamam de "visão ingênua", uma concepção que a maioria das pessoas ainda adota. Tendemos a achar que, normalmente, percebemos as coisas do mundo de maneira direta. Acreditamos que a dureza de uma pedra, a frigidez de um cubo de gelo ou a aspereza de um suéter de lã que nos causa coceira são captadas por nossas terminações nervosas e transmitidas ao longo da medula espinhal, como uma mensagem telegráfica que percorre um fio, sendo finalmente decodificadas pelo cérebro"


"George Berkeley opôs-se a essa concepção. Não conhecemos o mundo dos objetos, dizia ele, só nossas ideias mentais dos objetos. "A luz e as cores, o calor e o frio, a extensão e os números - numa palavra, as coisas que vemos e sentimos - não são apenas sensações, noções, ideias?" De fato, concluía ele, os objetos do mundo podem não passar de invenções da mente, colocadas ali por Deus. Ao que Samuel Johnson deu sua famosa resposta, chutando uma pedra e declarando: "É assim que eu refuto o que ele diz!"


Berkeley reconheceu algumas falhas graves na teoria da percepção direta. Ela não explica como podemos ter experiências que parecem reais, mas não são: sensações de coceira produzidas só pelo pensamento, sonhos que parecem quase indistinguíveis da realidade; sensações-fantasmas que os amputados têm nos membros que perderam. Supunha-se que os dados sensoriais que recebemos dos olhos, ouvidos, nariz, dedos e assim por diante, continham toda a informação de que precisamos para a percepção, e que ela funcionava mais ou menos como um rádio. É difícil imaginar que um concerto da Orquestra Sinfônica de Boston possa estar contido numa onda de rádio. Mas está. E podemos achar que o mesmo ocorre com os sinais que recebemos do mundo exterior - que, se pudéssemos conectar os nervos de uma pessoa a um monitor, poderíamos ver o que ela está experimentando, como se fosse um programa de televisão.À medida que os cientistas se dedicaram a analisar os sinais nervosos, no entanto, descobriram que eles eram radicalmente empobrecidos. Imagine que estamos vendo uma árvore numa clareira. Baseando-nos unicamente nas transmissões, ao longo do nervo óptico, da luz que entra pelos nossos olhos, jamais seríamos capazes de reconstruir a tridimensionalidade da imagem, a distância que nos separa da árvore ou os detalhes da sua casca - atributos que percebemos instantaneamente.Ou basta pensar no que os neurocientistas chamam de "problema da ligação". Quando acompanhamos com o olhar um cachorro que corre por trás de uma cerca de tábuas, tudo que nossos olhos recebem são imagens verticais separadas do cachorro, do qual ficam faltando grandes fatias. Mas sempre damos um jeito de perceber o animal por inteiro, como uma entidade intacta que se desloca pelo espaço. Se pusermos dois cachorros atrás da cerca, não iremos achar que se fundiram num só. Nossa mente passará a configurar as fatias como duas criaturas independentes.As imagens da nossa mente são extraordinariamente ricas. Somos capazes de dizer se uma coisa é líquida ou sólida, pesada ou leve, se está viva ou morta. Mas a informação a partir da qual operamos é pobre - uma transmissão distorcida e bidimensional à qual faltam partes inteiras. É a mente que preenche as lacunas e responde pela maior parte da imagem. Isso pode ser percebido em muitos estudos de anatomia cerebral. Se as sensações visuais fossem primariamente recebidas, e não construídas pelo cérebro, era de se esperar que a maioria das fibras que chegam ao córtex visual primário do cérebro viesse da retina. Cientistas descobriram, porém, que este só é o caso de 20% delas; 80% descem das regiões do cérebro que comandam funções como a memória. Richard Gregory, um eminente neuropsicólogo britânico, calcula que a percepção visual seja composta de mais de 90% de memória e menos de 10% de sinais dos nervos sensórios. "


"A definição de percepção, que começa a se estabelecer, poderia se chamar de teoria do "melhor palpite do cérebro": a percepção seria o melhor palpite do cérebro sobre o que ocorre no mundo exterior. A mente integra sinais esparsos, fracos e rudimentares oriundos de uma variedade de canais sensoriais, além de informações de experiências passadas e processos nervosos, para produzir uma experiência sensorial que o cérebro dota de cor, som, textura e significado. Vemos um cachorro correndo aos saltos por trás de uma cerca de tábuas não porque seja esta a transmissão que recebemos, mas porque é a percepção que o nosso cérebro, como um bom tecelão de fios soltos, nos apresenta como sua melhor hipótese do que está acontecendo no mundo exterior, a partir das informações parciais que recebe. Perceber é inferir."(...)(publicado na revista Piauí, edição de Março/10)


Perceber é inferir. Fico com esta frase para significar que ao penetrar no âmbito destas compreensões preciso incorporar-me a elas. Ao observar imagens captadas pelo telescópio Hubble preciso preencher um espaço, uma lacuna em aberto em minha percepção, que ainda não foi tangida por qualquer tecnologia. É preciso que eu use informações das quais(não) disponho em minha memória para formar uma idéia . Desta forma, muitas das compreensões que faço a respeito do que vejo e sinto em meu dia à dia não passam de " deduções" operadas em meu processador de memórias . Isto é muito inquietante.

Traduzindo este ponto de vista para nossa compreensão global fica a idéia de que há muito mais lacunas do que conhecimento e portanto, podemos estar sujeitos a cometer grandes equívocos. Ironicamente a neurociência ( que está na moda) vem revelando inúmeras surpresas acerca de nossas potencialidades, mas que vem acompanhadas por uma torrente de novas questões obscuras.


Quando vislumbro imagens de galáxias distantes, nebulosas ou estrelas pareço estar diante de questões insolúveis, mas aqui bem dentro está minha própria máquina , um campo fértil de propõrções idênticas e com lacunas ídem.Complexidade, atemporalidade, limite entre realidade e ficção.
Sim, mas falando em tecnologia e suas contradições, ai vai o segundo artigo que li. Um Ensaio de André Petry, também sobre a ambivalência que alguns atribuem à tecnologia e há algumas considerações que, à propósito, transcrevi :

(...)"A tecnologia não é a invenção de um gênio solitário. Ela é o resultado do acúmulo de conhecimento. A tendência é que, quanto mais conhecimento houver, mais tecnologia venha a ser produzida. Essa é sua força. O caráter cumulativo da criação tecnológica explica a velocidade geométrica das novidades e está na base da "singularidade tecnológica". Essa é uma teoria segundo a qual o tempo e o esforço gastos para dar os primeiros passos em uma determinada tecnologia tendem a diminuir drasticamente no caminho evolutivo. Passaram-se séculos entre o primeiro livro impresso e o pioneiro Kindle. Entre o Kindle e algo tão espetacular quanto, digamos, um projetor holográfico tridimensional miniatura de páginas impressas podem se passar apenas alguns poucos anos. A singularidade assusta por prever que, em um futuro de décadas, as máquinas serão infinitamente mais poderosas do que o cérebro humano na sua capacidade de pensar. Isso porque, na capacidade de processar dados, o cérebro humano já perdeu a corrida no século passado.
Ei-nos de volta ao Frankenstein de Mary Shelley - ou seja, à tecnologia ganhando impulso autônomo e abrindo às máquinas a possibilidade de levantar-se contra a humanidade. A revolução robótica é tema recorrente no cinema desde que o diretor alemão Fritz Lang deu alma ao robô Maria no estupendo Metropolis, de 1927. O enredo já apareceu em enlatados, em obras-primas como Blade Runner, de 1982, e avançou para Matrix, de 1999, em que os humanos, já subjugados, é que se rebelam contra a opressão das máquinas. A ansiedade humana em relação à evolução tecnológica, tão clara na atmosfera claustrofóbica da ficção científica, tende a se ampliar à medida que o conhecimento tecnológico vai se sofisticando."


Sendo moralmente neutra, a tecnologia pode servir ao bem ou ao mal. (...)"


(...)O rádio transmitiu a voz de Franklin Roosevelt para ajudar os americanos a atravessar o calvário da Depressão nos anos 30 e vencer a II Guerra. Do outro lado do Atlântico, o mesmo rádio amplificou os discursos de Adolf Hitler e hipnotizou os alemães num projeto diabólico. "A tecnologia pode tanto promover o autoritarismo como a liberdade, a escassez como a fartura, pode ampliar ou abolir o trabalho braçal", escreveu o filósofo Herbert Marcuse (1898-1979), em Tecnologia, Guerra e Fascismo.(...)"


(...)"O pensamento religioso, traduzido na ideia de que somos criaturas divinamente concebidas, tende a turvar a percepção de que nossa condição natural é miserável. No tempo das cavernas, tudo era pior: o medo, a dor, a fome, a doença, o frio. A tecnologia nos retirou dessa miséria. Não a todos, mas o pedaço da humanidade que ainda vive na dor e na miséria sairá de lá com mais, e não menos, tecnologia.
A revolução da tecnologia da informação está causando um impacto imenso nas ciências: na sociologia, na psicologia, na biologia, na neurologia. Todas precisam saber, e pouco sabem, do impacto dessa tecnologia e seu imenso volume de informação no comportamento das sociedades e dos indivíduos. O mundo não é mais o mesmo - e faz pouco tempo que mudou."
(...) (Revista Veja, edição 2163. Maio /10)

O texto brilhante faz um rico inventário das conquistas que colhemos em nossa "civilização"e uma reflexão necessária a respeito do destino que escolhemos traçar a partir do advento da modernidade. É válido computar o tanto que já trilhamos rumo progresso e como este nos transformou. Sabemos que os saltos serão cada vez mais rápidos e facilmente a vida vem imitando a ficção.


O entusiasmo do ensaísta( que eu particularmente adoro ler) em defesa da tecnologia supõe que máquinas possam superar o cérebro humano. O mesmo cérebro humano que constrói 80% das sensações visuais a partir de deduções. Não é incrível?(Delírio)



Me vejo diante da inexorabilidade do nada. Acho que somos ingênuos.


O geógrafo Milton Santos chama o período que estamos vivendo de Técnico-científico-informacional. Não é lindo?


A mesma tecnologia-ciência-informação conduziu à uma perda da perspectiva. Uma deformação ou desserviço que fomenta uma indústria cultural a serviço do consumo, que por sua vez sustenta a economia e, portanto mantém e financia a pesquisa. Esta, por sua vez, patrocina o avanço tecnológico. O saldo somos nós, as feras que devoram os recursos do planeta e promovem sua destruição. Quem poderá nos salvar? A tecnologia!


Quanto mais a comunicação global se estreita, mais fácil se torna mudar ou forjar novos padrões culturais. Induz-se zilhões de pessoas a partir da moda e da cultura. São "Talk Shows" totalmente comerciais, filmes ( já comprou seu álbum do Avatar), sites, blogs, jornais , sites de relacionamentos e sei lá mais quantas formas de estabelecer contato com a mídia.


Estas mudanças levaram à gerações de usuários de ansíolíticos, antidepressivos, estimulantes. Legiões de sorrisos robotizados pelo botox e rostos marcados pela aberração da uniformização estética. Lipoesculturas , preenchimentos de sulcos, bioplastias que aterrorizam os espelhos. Uma ditadura do vazio e da mutilação do pensamento. São bilhões de seres obsoletos. Acordamos diariamente desatualizados e a mesma obsolescência que se aplica aos produtos está sendo internalizada pelas pessoas.


É preciso acordar cedo para correr atrás de aprimoramento, dos últimos acontecimentos no mercado de ações, do lançamento da coleção de moda da estação, do corpo saudável e atlético, do último best-seller e manter esta maratona implacável em nome da felicidade.


A geração da alienação, das hordas de alijados, da dimensão digital a serviço do controle econômico, cultural e , desnecessário dizer, político.A tecnologia nos encheu de conforto e nos esvaziou os sentidos. Faço outra pergunta. Qual é mesmo o estado natural de miséria?


Somos ingênuos. Não é possível generalizar e colocar a evolução tecnológica como uma pantomima ufanista e redentora.


É um embuste adorar este novo protótipo de "deus" cibernético.


Isto me levou ao outro artigo (terceiro), sobre os tradutores google. Também uma forma de aproximação e integração das sociedades. Outro flanco através do qual a tecnologia penetrou em nossas vidas. Depois do google, acho que não apareceu mais ninguém. Quem nunca perguntou nada ao Google? Hein?


Eu acredito que para conhecer um lugar, um modo de vida, uma cultura, enfim, para conhecer o outro, é preciso estabelecer uma boa comunicação. A primeira ferramenta para tanto é justamente a língua. Idiomas diferentes tem características singulares que são peculiares aquele grupo humano, à sua história, tradição e comportamento. Um tradutor gerado por inteligência artificial é uma ferramenta útil, embora não traduza caracteres essenciais para um bom entendimento. Sem dúvida, derrubar esta muralha do idioma é uma revolução na comunicação.


Hoje, pensando neste rumo que estamos tomando tive que recorrer às imagens do Hubble e às suas imprescindìveis revelações sobre tudo que acontece fora daqui, deste pálido ponto azul onde tudo começou.


Em dez mil anos saímos do estado de natureza( alguns, é bem verdade) e já estamos prestes a comprar celulares com hologramas 3D, direto de Guerra nas Estrelas.


Apesar de tudo, ainda não entendemos como funciona nosso próprio cérebro e nem sabemos quem realmente somos. Não é uma imprecação contra os otimistas de todo gênero,mas dá para ficar embasbacado.


Voltando ao texto de Atul Galwande seria prudente lembrar que "a percepção seria o melhor palpite do cérebro sobre o que ocorre no mundo exterior". (é só uma teoria)


A expansão das fronteiras do conhecimento deveria ser em prol de uma harmoniosa coalizão planetária, uma cooperação real e sincera entre as forças de todos os setores, alavancados pela tecnologia . Certo?


Então está ! Cientes de nossa própria efemeridade! De volta ao planeta dos macacos!


beijo incerto

da melind@

    Fio  Entrei no absoluto e simples vagar do tempo. Invadi os espaços aparentes que reservei para um dia. Olhei minha própria fa...