sábado, 6 de fevereiro de 2010

A saga de Jung- o sonho sempre continua

Ela andava pelas ruas estranhas de algum país escondido em certa lenda e talvez conste nas últimas linhas de um livro qualquer, que nem sequer foi lido. Estava pelas vias, como a procura de lógica, em companhia de alguém que não era uma amiga. Ela não sabia porque estavam juntas e tão cúmplices. Talvez fosse como estar com o atual amor de alguém que você poderia ter amado um dia. Mas elas andavam ansiosas pelos espaços ensolarados e sem casas daquele lugar, que poderia ser uma feira destas onde se encontra de tudo. Quem sabe o próprio fígado embalado para viagem. O avesso de qualquer rua.
Caminhavam apressadas com destino certo. A pessoa ao seu lado dizia:
- É preciso chegar muito cedo , não vais conseguir continuar.- Rodavam sem que ela conseguisse ver o rosto das pessoas, eram como uma tela manchada de tinta. Mas ela não sentia surpresa. Não sentia nada.
Finalmente chegaram a uma tenda azul escuro, quase marinho, onde tudo era forrado de um pano barato. A amiga estendeu um calhamaço de notas coloridas em forma de cartas de tarôt. O papel era fino. Deveria ser o dinheiro local e talvez não valesse de verdade. Lembrou de quando era criança e brincava de fazer compras com dinheirinhos de faz de conta.
O homem saiu sem dizer nada e quando voltou entregou a ela um vaso retangular com duas flores vermelhas que , provavelmente só existiam ali e eram naturais e frescas, embora parecessem com o mesmo tecido que envolvia a tenda. O vaso não era comum, era daqueles em granito, próprios para adornar sepulturas e havia alguma coisa escrita. Ela olhou lentamente para o receptáculo tentando entender porque as duas estavam juntas ali resgatando um arranjo tão lúgubre e tão longe de casa. Olhou fixamente para as letras gravadas na superfície e acordou.

Pela primeira vez...


Ontem enquanto eu trafegava pela cidade vazia, por conta da temporada de verão, eu observava enquanto as pessoas andavam e eu ali parada no semáforo. Num determinado instante, que pareceu uma eternidade, eu começei a vê-las. Não estava apenas olhando e visualizando uma imagem. Eu estava vendo e percebendo que elas não estavam sós. Estavam acompanhadas de sua história, de seus estados mentais, de seus sentimentos. Foi uma sensação inédita e poderosa. Eu joguei minha atenção inteira para aquele instante e constatei o quanto somos incríveis. Dava para enxergar as pessoas por dentro. Pela forma do olhar, pelo modo de carregar os ombros. Pela maneira de dispor o cabelo. Havia intensidade e um grande afeto no meu olhar. O que me leva a crer que estou mais madura. Um olhar sem julgamentos. Um olhar que buscava apenas estar. O fato é que eu não estou sozinha ao experimentar os efeitos como vejo o mundo. Estavam lá, naquelas expressões todo o sentimento , toda palavra, toda perda e o medo. Também estavam o desalento , a raiva, a garra e paixão. Cada um trazia algo preponderante, que eu vou chamar aqui de energia. Era algo que extravasava pelo espaço e pelo ar. Eram textos apócrifos, não eram nomes, eram sentires levados por rostos e corpos apenas naquele estado de coincidência e perenidade no qual os fatos se emaranhavam . E assim aconteceu, um momento de mergulhar no sinal e simplesmente ver, não mais olhar.

Acordei com uma buzina atrevida e impaciente e segui meu caminho com aquela sensação me engolindo.

Parece que foi mais uma primeira vez na minha vida, dentre tantas primeiras vezes nas quais experimentamos os eventos inéditos. O primeiro sabor, o primeiro gosto, enfim.

Fiquei absoluta naquele episódio. Lembrei e revivi muitas primeiras vezes e precisei colocar aqui no blog na melinda esta minha experiência insólita como gosto de chamar.

Acho muito feliz isto e sou intensamente grata a minha história por ter me trazido até aqui , com todos os pajens que sopraram as brisas delicadas me contando a "verdade".

Eu imediatamente recordei da generosidade da vida ao liberar em pequenas doses o nosso aprendizado.

Agradeci aos livros, aos filmes, às pessoas aparentemente estranhas a minha história. Aos bons, aos úteis e até aos inúteis que foram meus mestres, meus mentores e meus professores desta arte tão original e individuada que é viver.

Voltei na minha história e na da minha família, posto que são inseparáveis e me veio uma frase de Tolstói que dizia " Todas as famílias felizes são parecidas entre si. As infelizes são infelizes cada uma a sua maneira". Eu certamente substituiria infelizes por inadaptadas. Não gosto e nem acredito na expressão infeliz ( que na verdade pressupõe uma felicidade oclusa, escondida, que ainda não aflorou, mas que está lá).

Sempre vejo minha história com o cuidado de quem ainda não viu tudo e não encontrou todos os detalhes imersos no contexto.

Lembrei da "primeira vez " que experimentei a estranheza e eu ainda era bem criança quando registrei essa impressão.Foi na casa da minha avó paterna e eu existia com os filtros rigorosos da minha mãe.

Minha avó paterna morava em uma casa antiga no centro da cidade e , por mais que eu então não gostasse disso, me parecia um pouco com ela. A casa era daquelas que além de antiga estava velha. Tinha um pé direito eterno e os degraus da entrada eram de pedra. A construção portuguesa era daquela cujos quartos de dormir passavam uns por dentro dos outros e havia um corredor comprido como aqueles que aparecem em filmes de horror. A diferença é que os horrores deste eram afetuosamente humanos.

Minha avó vivia só com sua história porque ela nunca era comentada. Era como se sua vida tivesse começado muito depois . Foi lá que eu encontrei pela primeira vez a diferença. Embora não compreendesse muito bem do que se tratava. Eu apenas interagia como mandava a boa educação , mas sentia-me cheia de questões e muito desconfortável.

A casa tinha um galinheiro, como acontecia ainda em algumas casas, em pleno centro da cidade. Era um parque de diversões sob este ponto de vista. Pátio enorme, com galpão e galinheiro. Não lembro de ter cachorro. Talvez.

Dentre os habitantes daquela casa havia duas mulheres, suas filhas, mas que não eram mulheres como as outras. Eram mulheres meninas. Eram mulheres em seus corpos magros e bem formados, mas pensavam e agiam como meninas. Ambas eram deficientes mentais. Minha avó teve nove filhos, dos quais apenas três sobreviveram. Sendo que as duas meninas não tiveram tanta sorte. Quando as identifiquei, ainda muito pequena, eu não pensava, apenas brincava com aquelas meninas mulheres. Mais tarde fui ficando intrigada e não conseguia encontrar respostas.

Uma era doce e adorável. Gesticulava com seus dedinhos tortos e falava uma linguagem de sinais improvisados pela necessidade de comunicação com o mundo. Quando eu chegava corria para mostrar pintinhos que haviam nascido e plantinhas que cuidava. Era um ser humano maravilhoso e sensível. Talvez dela eu tenha herdado minha paixão por bichos de toda ordem. A outra era mais rude e embora também tivesse problemas na fala, se expressava com mais facilidade e costumava ser estridente e incômoda. É possível que nunca tenha entendido sua condição ou percebido a si mesma.

Elas me apresentaram pela primeira vez esta história de ser diferente. Elas não eram criaturas abjetas que precisassem ficar escondidas, mas minha avó não fazia muita questão de expô-las.

E minha avó? Bem a história dela também é diferente.Uma portuguesa aparenemente frágil, mas escondendo uma determinação de rochedo é o que ela era.

Ela sempre contava que uma noite sonhou que seu amado( meu avô) lhe dizia:

--Mosa( como a chamava), eu subo o morro e desço o morro e não consigo encontrar o caminho de volta para casa!

Soube pouco tempo depois que ele havia morrido de uma infecção por conta de uma ferida em uma perna, que lhe provocou uma septicemia. Estava em uma área serrana no estado de São Paulo e foi sepultado lá mesmo.

Meu avô , também imigrante português, embora tivesse uma boa alfaiataria, vivia em viagens e deixava sua mosa solitária entre suas crias diferentes.

Ela recebeu a última carta sem que soubesse ainda o destino de seu consorte. A premonição no sonho de Mosa não lhe revelara que teria que enfrentar o mundo só. Aos quarenta anos , uma viúva, no ínicio do século XX, com duas filhas que ela dizia "doentes". Meu avô não a deixou em situação fácil. Não tinha condições para manter-se.

Embora costurasse e cerzisse primorosamente, não achou que fosse apropriado trabalhar e o resultado foi colocar o filho mais velho , que havia concluído os estudos, a frente do sustento da família. Apresentando, meu pai.

Mosa manteve-se viúva até a morte. Fechou-se em copas, em roupas escuras e meias grossas que lhe escondiam as pernas.Ensinou às meninas mulheres sobre hábitos e tarefas domésticas.

Foi lá entre as mulheres meninas e a casa com galinheiro que vivi pela primeira vez o contato com o diferente. Alguns sentimentos estranhos e histórias que pareceriam bizarras. Foram boas mestras.

Um beijo de gratidão

da melind@


terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Flagrantes da vida real.

imagem da web

Era uma quarta-feira de junho, um dia cinza e aparentemente igual a outros tantos. O consultório do especialista em periodontia vivia uma tarde tranquila. Após um rápido intervalo o homem avisou a secretária e foi recepcionar a próxima paciente. Como de costume, disse olá e estendeu a mão para cumprimentá-la.



-Olá doutor. Meu nome é Gilda Alice e eu estou aqui porque soube que o senhor era o melhor especialista no meu problema. - explicou a mulher meio sem jeito.


- Muito bem , pode passar. Me diga do que se trata.


Neste momento , o doutor sentava-se distraidamente, enquanto a paciente começava a descrever seu quadro:


-Bom , doutor, eu tenho gonorréia. É um problema muito grave e eu sempre achei que não tinha cura. Eu já sofro com a gonorréia desde novinha, mas meu pai tinha gonorréia. Já é falecido . Minha mãe tinha gonorréia e eu tenho também uma tia que é sua paciente, que também sofre com gonorréia. Inclusive foi ela quem me indicou o senhor. É um problema na nossa família. Dizem que é uma doença hereditária. Deve ser genético. O que é que o senhor me diz doutor?- parou por um instante.


O homem atônito, começou a ficar sem jeito e tentava de toda forma conter o riso , enquanto a mulher falava desembestadamente sem parar. Sentiu um calor tenso que lhe subia às faces e desabou em um riso nervoso.


- Desculpe! O que é que a senhora está me dizendo-perguntou tentando se recompor.


A mulher indignada descontrolou-se e começou a falar ainda mais rápido:


- O senhor está rindo do meu problema. Eu já estava constrangida quando cheguei aqui, mas agora não posso aceitar sua atitude. Eu não tenho posses , mas vou pagar direitinho. O senhor me diga quanto é , só não admito que o senhor fique rindo de mim.


A mulher já estava quase aos prantos. Ruborizada , ela respirava rápido e ficava cada vez mais nervosa e gesticulava com as mãos.


- Bem, se a senhora tem gonorréia, acho que deveria procurar um ginecologista.-Saiu-se pela tangente o homem- Ergueu os olhos e esperou a reação da paciente.


A mulher chocou-se por um instante e imediatamente percebeu a gafe.


-Ah, doutor, o senhor me desculpe. Eu falo demais e atabalhoadamente. Eu confundi as palavras. Sou muito nervosa e desatou em um riso aliviado. Eu quis dizer piorréia. Piorréia doutor. Eu tenho piorréia.


Piorréia é o nome vulgar de, segundo o Aurélio, um processo inflamatório purulento do periósteo dentário, acompanhado de necrose alveolar evolutiva e frouxidão dentária. A periodontite.


- Eu percebi - perdoou o odontólogo- A senhora desculpe a brincadeira, mas foi muito engraçado. A confusão é aceitável.




Dizem que a tia da paciente teve que procurar um outro profissional para tratar de suas gengivas. E que talvez ela não precisasse mais tratar as gengivas porque a família teria se encarregado de quebrar-lhe os dentes.


Esta pérola aconteceu recentemente em um certo consultório de Bigrivertown. Reminiscências do humor.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Segunda com gosto de sexta......

Quando eu era criança a véspera do feriado de navegantes era uma imensa aventura. Primeiro porque tinha minha turma de brincar e ir a praia faturar umas bugigangas celestiais. Nosso chalé ficava a três quadras da praia. Éramos uma turma de garotas e garotos fissurados entre a fantasia, a sacanagem e a curiosidade quase mórbida. Mas o ápice mesmo era quando minha mãe nos deixava ir com ela espiar aquelas pessoas estranhas de branco rodopiando na beira da praia. Era absoluto. É bem verdade que foram raros momentos , mas inesquecíveis e saborosos.
Aquelas pessoas eram comuns e chegavam em excursões, trailers,ônibus e carros de toda parte. Não havia muitas festas como aquela .Mas ali, vestidos com aqueles trajes brancos e esvoaçantes, se tornavam especiais. Eram as atrações da noite. Eram eles que roubavam a cena.Fumavam seus charutos e cachimbos e baforavam poderosamente. A música propiciava um clima de ritual macabro . E eu , que tinha uma imaginação psicopata e adorava galerias de terror, aproveitava para turbinar minha expectativa até perder definitivamente o sono. As barracas iluminadas por lampiões e até algumas fogueiras abrigavam gente de todas as idades, até crianças. Aquelas pessoas guardavam status de autoridades.
A nossa turminha aproveitava para encontrar casas de veraneio fechadas e reunir-se para contar histórias de horror. Tudo no clima.
No dia seguinte era acordar muito cedo e sair em expedição para praia. Se tivessemos sorte poderíamos achar um daqueles barquinhos de madeira repletos de pentes, espelhos, colônias baratas , sabonetes e toda sorte de presentes que as pessoas entregavam à santa. Os badulacos eram divididos como o saldo de uma caça ao tesouro. Eram preciosidades que carregávamos em nossas monaretas, como heróis que retornam de uma difícil expedição e mostram seus troféus. Eu adorava os talcos fedorentos e as colônias de rosas. Naquela época eram poucas as tendas e era preciso ficar até muito tarde e ir muito, muito longe pela praia , para poder encontrá-las. Em compensação para arrebatar os presentes era só uma questão de chegar primeiro.
Quando minha mãe ia espiar a "festa", junto com minhas tias, era necessário ir bem longe para encontrar as tendas consideradas mais poderosas. Contrário senso, a idéia era manter uma certa privacidade para fazer seus rituais e homenagens. Hoje é de uma popularidade etílica chocante. Acho que se tornou mais um feriado, um motivo para diversão. A atmosfera perdeu-se em algum dia , mas os tambores ainda rufam na madrugada, sejam das tendas da praia, sejam dos pagodeiros de plantão, que não perdem a oportunidade de puxar uma cantarolice enjoada.
Hoje são milhares de pessoas que se deslocam para a já superlotada praia, marcada por intenso policiamento e sinalização. São barraquinhas e centenas de vendedores ambulantes sob a escuridão entrecortada pelos faróis de carros curiosos que circulam como baratas tontas pela noite.
Enfim, ficamos combinados assim, num momento de nostalgia.
Escutando Hotel Califórnia e comendo o terceiro alfajor, e olha que eu nem gosto muito de alfajores. As opções são tantas que eu optei por deixá-las de lado. Me optei! Fim de tarde e o calor foi atropelado por uma chuvinha pra lá de bem vinda. O Stuart ganhou um osso de couro de boi e está completamente absorto em sua tarefa de dilacerá-lo por completo. A semana já começa terminando com um feriado. O que torna a segunda-feira um sexta. Isto seria o êxtase se aqui em Bigrivertown não estivesse um clima de "este lugar é pequeno demais para nós todos" ou " eu sei o que você fez no verão passado". Sim eu sei. Sujeira na praia , barulho, muita cerveja e ...a verdade é que temos que dividir o planeta com todo gênero de criaturas. Não estou sendo arrogante, apenas realista. Se eu pudesse optar frequentaria lugares onde não existisse esse tipo de ocorrência que eu confesso que me aborrece. É , eu até me aborreço de vez em quando. Me aborreço um pouquinho, é verdade. Ninguém me aborrece como eu. Não é soberba.
O fato é que eu não vou passar a semana na praia . Não vou. Não quero dividir a praia e pronto. Prefiro deixá-la para o democrático mundo dos não aborrecidos.
Quando imagino chegar na praia e encontrar algumas centenas de seres por metro quadrado, fazendo seus churrasquinhos regados a cerveja e animados pelo pagodão. Fico em cólicas. Sempre pode ficar pior quando pinta aquele futebol de marmanjos ( que só estão sacudindo a pança) ou ainda quando rola aquele Cd do Calypso pra quebrar um pouco o funkão degenerado ou o axé insuportável. Enfim, ainda preciso ficar feliz porque não tocou nenhum sertanejo ou gospel. O fato é que eu acho que a lei de Murphy está aí e não dá para oferecer oportunidade para o acaso.
beijo claustrofóbico da melinda

Beautiful World



Colin Hay - Beautiful World

"...My my my it's a beautiful worldI

like swimming in the sea

I like to go out eyond the white breakers

Where a man can still be free

I like to swiming in the sea...."


Em um dado momento deste lapso atemporal de sensações, eu me emocionei profundamente ao som do Men at Work(super) "Colin Hay - Beautiful World". Enquanto eu dançava comigo e meus pensamentos orbitavam, se ordenavam e invertiam naquele entorno multicor de átomos, eu percebi que coisa admirável e única é estar aqui, vivendo.
Parafraseando a Rita Lee ...ser quem eu sou, estar onde estou, agora só falta você...

É tão estranho imaginar que nada se repete e que cada segundo é tão original, embora não pareça. Que TUDO é esta vida! Espero ainda estar nela por mais uma eternidade porque é um super privilégio. `
Poder me recarregar com as sutilezas do impensável e emocionar com óbvio e até ser quem eu sou ....Ufa!


Um belo dia resolvi mudar
e fazer tudo que eu queria fazer
me libertei daquela vida vulgar
que eu levava estando junto a você?
Nem tudo que eu faço
existe um porque...
( Rita Lee)


beijo privilegiado

    Fio  Entrei no absoluto e simples vagar do tempo. Invadi os espaços aparentes que reservei para um dia. Olhei minha própria fa...