sábado, 18 de setembro de 2010

Uma vez desastrada, sempre desastrada?!


Eu sou daquelas pessoas desastradas. Deixo um rastro de pequenos acidentes onde quer que passe. Muitas vezes fico na linha tangente de um sério acontecimento e me espanto.

-Nossa! Que sorte!

Já enfiei este modelito como parte de mim. Há longos períodos nos quais acredito ter me reabilitado, mas quando menos espero uma onda de pequenos episódios me acerca.

Meu "anjo da guarda" veio para cumprir um calvário sem descanso.


Tropeçar e cair é uma constante, apenas tropeçar faz parte do meu show diário.

Os joelhos já são em roxo natural de tanto bater em móveis e objetos. As roupas estão sempre com fios puxados e pequenos rasgões porque as maçanetas de portas e pontas soltas sempre me encontram por mais longe que eu me ponha delas.

Lembro de episódios hilários ao longo de minha vida. O primeiro e mais grave foi quando eu tinha uns sete anos. Minha mãe chegou com as compras do supermercado e guardou na parte de baixo de um armário os famigerados chocolates( eu também sou ávida por chocolates). Muito bem rotina. Mas naquela oportunidade eu estava fadada a me dar mal.

Abri as portas do poderoso armário e coloquei (como uma acrobata) os dois pés nas laterais ficando pendurada nas portas abertas com meu peso pluma enquanto meus olhos rastreavam as guloseimas . O resultado foi que o armário veio abaixo e a pior parte é que na parte superior que eu não alcançava estavam guardados os cristais de casamento da minha mãe. Sobraram algumas taças apenas, muitos cortes e um castigo de uma semana, além do fato de que ninguém mais falava comigo. Foi terrível. Ironicamente hoje eu arrumava em um armário esta parcela que herdei de minha mãe. As taças sobreviventes que não foram mais usadas por estarem incompletas, mas ficaram como entulho no armário. São belíssimas, mas inúteis e por elas sofri uma semana além do trauma que ficou registrado pra sempre.

E assim eu cresci, pisando nos pés fininhos das pessoas, dando cascudos ( sem querer) nos sentados presentes . Passando as pontas de meus casacos na cara das pessoas.

Tenho muitas cicatrizes desses episódios e isto me rendeu o atributo de estabanada. Parece generoso. Eu sou um perigo.

Certa vez quando estava na faculdade fui estudar na casa de uma colega e durante a madruga e os cafés eu vi uma brasa do meu cigarro cair sobre o sofá vermelho em tecido cottele (novo) e fazer um buraco do tamanho de uma maçã.

Minha amiga entrou em pânico e eu tive um colapso.

Por mais que eu implorasse para que ela acordasse a mãe dela para que contássemos a verdade, ela me garantiu que não seria uma boa idéia. Fiquei destruída e todas as vezes em que encontrei a pobre dona do sofá fiquei me sentindo a última das criaturas .

Certa vez em Santos(SP) quando passava férias com uma tia junto com duas primas apareceu um espelho imenso quebrado em nosso quarto. Embora não tenha sido eu, fui condenada sem direito a julgamento. Decidiram que eu havia quebrado sem perceber( o que é totalmente viável).

Em outra ocasião, na adolescência quando fui pela primeira vez na casa de praia de uma amiga querida que não vejo há muitos anos, uma bagense muito legal, encontrei pela frente um chifre usado como decoração preso a uma parede do corredor. Dentro havia uma dessas plantas aquáticas que ao me ver voou juntamente com o chifre por cima da cabeça da mãe da minha amiga. Dona Heloísa ( grande figura). Já revelei portanto meus instintos mais primitivos na chegada.

Muitos anos mais tarde a minha amiga me presentearia com aquela guampa que simbolizava um momento tão estapafúrdio.

Mas a pior de todas foi em meu primeiro emprego. Minha chefe, pessoa de temperamento bastante difícil, me chamou para uma conversa e ao chegar, já de primeira, a maçaneta agarrou a minha roupa e quando soltou foi parar longe. Foi só o início. Ela apenas disse:

- Melinda, não precisa arrancar a porta..

Continuamos a conversa. Eu sempre tive mania de mexer nos cabelos o tempo todo e ao fazê-lo consegui lançar a argola que estava usando sobre a cabeça da minha chefe e o mais incrível é que ela não viu!!Ufa! Mas não acabou aí.

Ela falava e falava. Havia uma lareira falsa em sua sala, que estava passando por reformas, e ela me dizia que a tinta estava úmida, que eu tomasse cuidado e aquele blá, blá , blá...

De repente tocou o telefone e fui atender toda solícita. Quando olhei para baixo enxerguei meus dois pés afundados na tinta . E o mais incrível , apesar das pegadas , ela não viu.

Ainda bem que não havia o CSI Las Vegas e o luminol, caso contrário seria meu ex-emprego.

Ela ficou no blá blá blá enquanto eu saia de mansinho. Além disso eu sempre assinava a falecida folha de pagamento no lugar de outra pessoa e naquela época não havia computador. Era máquina de escrever da gema. Ao final ela já me esperava com uma régua e isolava toda a área da folha para me impedir de assinar errado. Ela devia me odiar.

Em uma festa de revellion eu comprei um macacão preto frente única deslumbrante e a pobre costureira que faria a barra conseguiu cortá-lo nos joelhos. Troquei por um outro azul estonteante e quando finalmente cheguei bombando na festa consegui sentar em uma brasa de cigarros e fazer um furo estratosférico no modelito. Póin.


Eu confesso que me esforço, mas são detalhes que não avalio.


O creme dental sempre cai na blusa, o café sempre pinga , a taça de vinho sempre se atira no colo de alguém (isto é folclórico). Sem falar daquele baklawa(doce árabe) com calda de rosas que voa em pleno restaurante.

Tive um amigo querido que já se foi deste planeta e que foi vítima sucessivas vezes da minha imperícia ou da ausência patente da minha coordenação motora fina.

Quando saíamos (ele era namorado de uma amiga) eu sempre derrubava o chopp no colo dele, se não tivesse chopp era uísque e quando eu me excedia nos goles era no carro dele que eu vomitava. Ele devia me odiar.

Enfim, de repente ele foi tomado de surpresa por uma infarto fulminante, aos trinta e seis anos do primeiro tempo e lá estávamos nós todos(amigos) sofrendo e sem entender o que acontecera. O episódio de sepultamento do meu querido amigo foi quase um causo. Os pais vinham de São Paulo( já idosos), a irmã também não fora encontrada.

O fato é que ficamos em campana quase vinte e quatro horas num velório dantesco. Já havia virado um acampamento , com direito a revezamento e tudo.

Neste momento eu ainda consegui derrubar uma xícara de café sobre o corpo inerte do meu amigo enquanto já cantava "se fue, se fue.." da Laura Pausini... Certamente ele quase voltou do além .

Jóias e bijouterias destruídas e perdidas, copos , xícaras e peças(as mais bonitas)quebrados e calças com joelhos rasgados se acumularam. Estou aqui , ilesa e certa de que muitas destas peripécias foram causadas pela minha ânsia e expectativa de viver as coisas. Estar sempre com o olhar na frente é um vício que, como muitos , eu tenho, mas tentar viver o impossível( o futuro) nos deixa afastados do póssível(agora) e então os descuidos e desatenções passam a ser colecionados. A expectativa é o primeiro passo para a frustração. O idealizado nunca é páreo para a realidade .

O importante mesmo é que todas essas sequências cômicas ( e foram causa de muito riso) são parte de mim e revelam minha forma de abordagem da vida.

Muito yoga, meditação e respiração têm me transformado. Não a ponto de mudar minha natureza "o louco". Aquela carta do Tarô que representa a natureza indômita e sonhadora , quase irresponsável, mas que tem fé na inteligência da vida e por isso se lança nesta aventura( da vida) com um sorriso nos lábios e a certeza de que tudo está onde deve e a seu tempo.



beijo estabanado

da melind@

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Maria de Lourdes

Hoje eu soube que partiu(heranca-pegando-mala.) deste mundo uma das existências mais incompreensíveis, pelo menos para mim, ou por enquanto , ou ainda ...

Eu tive uma tia que era deficiente , aliás foram duas irmãs, mas estou aqui a lembrar desta que só agora partiu. Após uma vida longa de incontáveis razões para não viver.
Nasceu por volta de 1930 sadia, mas frágil, não sei ao certo que enfermidade a acometeu ainda muito pequena e legou-lhe um atraso mental associado a um distúrbio na fala, algo neurológico que não foi suficientemente diagnosticado. Era como se tratava questões como esta nos anos 30.

Não havia muitos conhecimentos e logo tratava-se de rotular , é doente.
Seu nome Maria de Loudes, uma descendente de portugueses.
Ela viveu com esta limitação sob os rigores do adestramento de minha avó(viúva ainda muito jovem). Aprendeu a lavar, escovar, limpar, costurar alguma coisa e até fazer tricôt. Assistia TV e serviu a todos do jeito que aprendeu. Veio ao mundo para servir. Cuidava das galinhas, do pátio e do varal.

Não creio que lhe tenha sido permitido entender-se como mulher e lembro que sentia muita vergonha e encantamento quando falava sobre namorados.
Era ingênua sob alguns aspectos, mas sua incompreensão das coisas a tornava muito defensiva e desconfiada. Por vezes briguenta e lambanceira, como dizia minha avó. Tomava fé de tudo o que acontecia.

Ninguém sabia qual seria seu destino quando minha avó se fosse.
Ela cuidou da mãe até que morresse. Nos primeiros tempos se libertou. Pela primeira vez sentiu-se livre . Andava pelas ruas da vizinhança com a irmã( também deficiente) e ganhou a simpatia de várias pessoas. Eram duas crianças . Achava tudo engraçado. Achava que os homens a estavam cortejando. Sentia vergonha e fazia graça infantil.

Não sei de fato como aquela criatura magricela e desengonçada que não sabia articular palavras corretamente e se comunicava de forma tão primária se sentia a respeito do mundo.
Um belo dia este curto período de primavera acabou. A irmã fraturou a perna gravemente e acabou sem andar.

Ela passou a cuidar da irmã, voltou a ser útil apenas. Pouco tempo depois foram morar as duas em uma instituição para idosos. Logo a irmã morreu. O irmão morreu . Ela perdeu a visão e uma isquemia deixou-lhe como sequela a impossibilidade de andar.

Estava completo o quadro. Vivendo em meio a estranhos, cega e sem poder andar e se comunicar passou os últimos 13 anos.

Restou-me nos últimos anos visitá-la eventualmente, embora não entendesse o que dizia.
Sempre levava waffer e bananas, ou balas de banana. Eram seus preferidos.
Há tempos parou de interagir com as pessoas , permanecendo constantemente em um estado de sonolência e desligamento da realidade( que realidade).
Muito magra e com aspecto de subnutrida assustava as atendentes mas tinha boa saúde, por incrível que parecesse.
A vi pela última vez há cerca de uma semana. O corpo diminuído, olhos semi-cerrados e indiferença quanto ao que acontecia a sua volta.Fraldas.
Finalmente libertou-se daquele corpo limitado ao qual permaneceu agarrada todos estes anos. Sentia tanto medo daquela escuridão solitária e ali se manteve, inexplicavelmente.
Quando ainda estava lúcida, apesar dos anos, sempre perguntava pelo irmão, pelos sobrinhos e toda a família. Contrário senso ninguém mais perguntava por ela e nem lembrava de sua silenciosa estadia neste planeta exótico.
Não sou capaz de compreender algumas charadas . Travei.
Não posso negar que senti alívio ao saber que aquela situação terminara. Que seu ciclo se fechara e que tudo trancorreu como deveria transcorrer, apesar da minha ignorância e incapacidade de entendimento.
Talvez não haja o que entender, apenas aceitar que os fatos são.
Fim da peleja Maria Lourdes!

domingo, 12 de setembro de 2010

Tempos de violência: faça sua escolha

Há um lugar comum que está por todos os lados que é o apelo maniqueísta de que há o bem ou o mal. Muito bem. Todos sabemos ao abrir os olhos, ao assistir o noticiário, ao ler o jornal ou até mesmo ao andar na rua que a "violência" está por todos os lados. Seria ingênuo dizer que é de outra forma.

Entretanto é necessário manter um ponto de equilíbrio. Um ponto de vista reflexivo e lúcido a respeito do semelhante. O que eu quero dizer é que por trás da história e aparência de cada um há um indivíduo cheio de singularidades. Há um ser construído que não é apenas uma boa criatura ou um representante do lado sombrio da força. Cada um de nós tem um Luke Skywalker e um Darth Vader por dentro. Isto está escrito nas entrelinhas do dia a dia.

Ontem à noite eu tive um claro exemplo.

Estava indo colocar o lixo orgânico no contâiner verde quando tocou o telefone. Suspendi a operação e acabei ficando ao telefone por muito tempo. Como deve ficar óbvio eu esqueci totalmente do lixo.

Muito tarde, quando fui verificar portas e recolher-me observei o lixo ali parado. Confesso que não titubiei, peguei o saco e me dirigi para fora. Abri o portão e caminhei três passos pela calçada. Era possivelmente uma hora da madrugada (sou notívaga) e a rua estava totalmente escura. A lâmpada em frente que ilumina o contâniner estava apagada.
A escuridão deixava entrever apenas um vulto com capuz( Pânico II) e uma brasa fumegante de cigarro dirigindo-se para o grande recipiente verde de lixo.
Estanquei por alguns segundos. Foi o tempo de respirar e decidir. Ir em frente ou desistir e voltar para casa. Ainda havia tempo.
Não sei porque razão minha decisão foi a aparentemente mais tola. Fui em frente e caminhamos um na direção do outro. Ambos rumo ao contâiner de lixo. Eu para postar e o vulto estranho para investigà-lo.
Caminhei os passos mais rápidos que lembro e quando cheguei ao local o vulto preto fumegante abriu a tampa da lixeira para que eu colocasse meu lixo. Correspondi, deixei o lixo e agradeci calmamente.
Dei as costas e saí caminhando lentamente. Pensei naquele momento que poderia ser atacada pelas costas ou uma infinidade de indignidades que vem a mente quando nos deparamos com uma suposta ameaça. Estranhamente não fiquei tensa e ou preocupada. Quando cheguei até o cordão da calçada concluindo meu comportamento suicida e que muitos dirigam leviano, ouvi uma voz dizendo:
- Obrigada moça. A gente só tá catando mas as pessoas tem medo de chegar perto.
Voltei-me surpresa e envergonhada de meus pensamentos nefastos. O homem magro e vergado com capuz caminhava pelo canteiro em direção ao seu destino.Eu disse embasbacada:
-Ah é!
O homem continuou caminhando e terminou:
- Se uma outra hora a senhora tiver um agasalho velho pra dar a gente aceita.
- Se o senhor passar outro dia posso olhar sim- respondi sem graça.
- Boa noite- disse.
- Boa noite pro senhor -respondi
Assim , de forma redentora encerrou-se um momento em que a consciência falou mais alto do que o instinto.
Tenho certeza que ganhei pontos. Contribui para que o amor próprio daquele homem, catador de lixo da madrugada, se nutrisse de esperança.
Ele poderia ser um marginal. Talvez seja. Mas naquele momento eu escolhi a parte humana daquele indivíduo e ela correspondeu com humanidade. Dei-nos a oportunidade de comportarmo-nos como cúmplices solidários de uma mesma verdade, mas como lados distintos .

A sensação de ter agido de forma correta me fez muito bem.
Acredito que é preciso usar a consciência e a intuição, mesmo que às vezes tenhamos que correr riscos.
beijo beijo
da melinda

Observação:
O contâiner verde tem sido um dos instrumentos mais didáticos para meu aprendizado de vidaeu-sou-uma-deslumbrada-, pois ja encontrei ali mendigos intelectuaisadaptacao., vendedores de cds de porta em porta e também catadores altruístas/toc-toc-ainda-tem-jeito..

    Fio  Entrei no absoluto e simples vagar do tempo. Invadi os espaços aparentes que reservei para um dia. Olhei minha própria fa...