sábado, 30 de outubro de 2010

Quem você pensa que é?

Eu tenho um soldadinho de plástico que fica sobre uma prateleira. Ele é membro de um exército de forças que se ocupam de vigiar meus pensamentos. O soldado tem uma história que um dia eu conto, mas faz parte de uma escolha que fiz . Eu adoro alegorias porque são libertadoras, como se fosse um jeito torto de entender ou de se perder num entendimento. Fujo dos aforismos.
O meu soldado simboliza um centro de triagem de idéias e quando ele aparece geralmente é o indício de que preciso fechar a porta e esvaziar um pouco a mente. Limpar a coreografia. Mas aí estava esta perguntinha aí em cima brilhando em néon e me pedindo pra falar sobre as minhas fronteiras a quem interessar possa. Não é a primeira impressão a que fica!

(...)E no começo era a pergunta...


Se eu me propusesse a descobrir quem penso que sou, confesso que não seria uma tarefa simples. Menos ainda uma tarefa possível, pois na verdade o tudo que sou não me revela. O que me denuncia é justamente a parcela de mim que não concebo.
Todas as falas e cores que introduzo não são mais que um jogo de luzes no palco. São truques que escondo na manga e que me sugam energias insondáveis. Todos os meus talentos são emprestados, por um tempo bom, talvez um período de teste enquanto viajo por meus países distantes, e muitos nem uso ou simplesmente desconheço. Outros não aprimoro, nem acredito. São tantos os talentos que granjeei que não me permito usá-los. Os poucos que descubro me assombram.


E assim eu vou não descobrindo quem sou, não fazendo por vezes a mínima idéia do que esperar de mim.
Se eu tivesse que definir quem penso que sou ficaria parada a contemplar meu deserto, talvez por uma vida e ainda assim não restaria nada a dizer. Isto porque sei que não somos definíveis pelo que vertemos, mas apenas pelo débil instante em que tomamos consciência do todo de nós.

Por segundos me encontro no outro logo ali. Desperto sensações que me simulam. Parecem muitos meios de um único inteiro. Aí neste exato ponto identifico alguns sintomas de quem estou.

Sou um colar de lapsos concretos de verdades cheias de inconcretude. Sei que a substância que busco é justamente o que me entorna de volta ao vazio de mim.

Definir quem penso que sou é uma armadilha , uma charada que se apresentou na porta do meu primeiro olhar para o mundo.

Provavelmente a fórmula não seja o caminho, não obstante inexista caminho.

Mas escrever é este desvio para fora da estrada, este delicioso desencontro de nós. Isto é certo.

Nas linhas errantes e incertas vão aparecendo vestígios de verdades acerca do meu sujeito mais que "im" perfeito e vão se desenhando sombras, abrindo lacunas e preenchendo vazios.

A linguagem que veio para formatar o pensamento acabou por libertá-lo e dar a ele as tintas para criar seus neologismos particulares em múltiplas construções.

Se eu me propusesse a descobrir quem penso que sou precisaria simplesmente continuar esta mescla de mim com o outro, com o todo e com minhas infinitas faces do avesso.



...neste espaço que atravessa

o sempre , tem o tempo

tem a gravidade, o vento

e a eternidade...



E o soldadinhho estava deitado esta manhã....


Who do you think you are?Arte

Beijos da milícia

da Melind@

domingo, 24 de outubro de 2010

Interagindo de verdade....?




Ontem num restaurante me senti um peixe fora d'água. Estou aqui a pensar porque há dias em que não conseguimos nos enquadrar na moldura. É um não entender pra ninguém botar defeito. Eu até gosto destes meus mexericos internos. Me colocam dentro dos detalhes .Por essência os detalhes nunca me interessam. Passam no filme sem vestígios. Mas ontem fiquei perturbada.
O chopp era sem sabor, a carne não é mais parte dos sabores que eu gosto. O assunto era polido e afável. O tempo se arrastou . A graça foi forçada pelo meu desejo de ver o tempo correr embora. E um eu por dentro pensando.
Um eu por dentro observava com o dedo em riste e dizia:
- O que é que você está fazendo sentada aí?
Nada era inteiro no sabor. Era como uma sinfonia sem maestro.Eu olhava os detalhes. Os risos sem cor, os modos calculados e a pauta pesquisada à exaustão por dentro das idéias. Não havia muito a dizer. Eu sempre tenho tanto a dizer. Não achei minha avidez.
Na imagem quadro a quadro estava tudo fluindo, mas o todo estava parecendo um filme sem roteiro. Eu não achava o meu texto.
Começei a despertar aqueles pensamentos ácido-analíticos que acham tudo uma grande borosema. Felizmente havia música.
Encontrei uma dessas conhecidas que sugerem uma aparência deslambida e insossa e logo pensei que era a pessoa mais próxima do ideal. Estava menos armada. Trouxe consigo apenas seu conteúdo, sem rebusco.
Saí do meu compromisso social com a idéia de que havia excessivo rebusco e pouco sentido.
Uma espécie de metalinguagem sensorial.
Enfim, dei por falta do selo de autenticidade da minha criatura. Estava postiça no cenário e nada do que eu sentia parecia perceptível a olho nu.
Toda a camuflagem que coloquei me deixou despida, descalça ou desguarnecida de minhas multidões de mim. Meu arremedo de fobia social.
Quando bateu meia noite voltei meus olhos excessivamente delineados para o relógio. Dei-me conta que estava sem. Bati em retirada no fluxo dos demais. Entrei na carruagem e fugi para minha caverna de volta.
Retirei o sorriso de plástico e me encontrei ali, só, à espera de algum sentido.
Somos bichos estranhos!

beijo fóbico
da melind@

Nem preciso dizer que me apaixonei por este vídeo. Emocionante.Fala sobre afinidades para além das formas.

    Fio  Entrei no absoluto e simples vagar do tempo. Invadi os espaços aparentes que reservei para um dia. Olhei minha própria fa...