sábado, 3 de julho de 2010

Impressões noturnas

00:05 e os espaços estão repletos do mais puro e atordoante silêncio. É como se o volume máximo conseguisse revelar apenas a expectativa audível do mundo adormecido.

A madrugada é algo fascinante. O mundo inteiro (ou quase) dorme. Em alguma janela as luzes refletidas sinalizam a televisão ligada. Em outra uma luzinha baixa a enganar o escuro. Uma legião de bichos estranhos dormindo, simultâneos e de todos os jeitos. Somos mesmo bichos e o tempo biológico é implacável. Nos arrasta para dentro de nós, recolhidos do mundo por algumas horas, silentes, inertes. Desliga-se o botão. Off. Ficamos presos pelo modo stand by. Enquanto isso os programas são verificados, o consumo de energia diminui e assistimos nossos filmes internos, nossas próprias produções. Editamos nossos sonhos e nos comunicamos com nossas forças primitivas.

Lá fora uma folha cai, outra estala , um saco plástico flutua carregado pelo vento e uma motocicleta rasga a surdez do mundo por instantes. Os ratos passeiam pelas ruas, saem de seus bueiros e se fartam pelos lixos. Um grupo caminha apressado em busca de furnas onde a vida se agita e se rebela contra as normas do corpo. Lá onde o barulho espanta o sono se escondem os seres vigilantes, notívagos aos punhados. Entre copos e fumaça se esgueiram pela música e por entre as conversas soltas, miúdas, sussuradas . Transitam pelos corpos estranhos e por momentos tão íntimos, tão cúmplices a burlar a noite.

Ali perto alguém dedilha um violão desafinado em busca do sono e mais adiante um carro freia bruscamente. Um livro se fecha, a última linha perdida pelas pálpebras arreadas, as últimas palavras já estavam dentro do sonho.

A lucidez se perde e todas as possibilidades invadem a lógica neste expresso que parte a meia-noite.

Alguém desce a cortina mais uma vez. Quantas vezes desce a mesma cortina, como um ritual a avisar que o mundo precisa parar agora. Esperar até amanhã.

Na maternidade o primeiro choro de um bebê irrompe. A enfermeira deixa o plantão e sai apressada. Uma válvula emite o som de uma descarga. A luz apaga.

Um pijama estendido sobre a cama e chinelos verdes felpudos. Um galo canta perdido em algum lugar e dois cachorros ladram e correm perto da esquina.

Uma névoa densa encobre o céu. Um corpo se move, se aninha.Deixa-se.

Um gota brota sobre a folha verde. Em algum lugar alguém chora baixinho. Uma roupa dança no varal.

Os dedos deslizam sobre o teclado atrás do ponto final. O último cliente sai da pizzaria. O garçom respira aliviado.

Uma gota pinga de uma torneira desavisada, ecoando num vazio . A estrela morta rompe a cortina densa e brilha mais uma vez. O chá esfriou. Alguém respira pesado , talvez um pesadelo.

O mundo se cala, como no fundo dos mares . Cessa!

beijo silencioso
da melind@

terça-feira, 29 de junho de 2010

Sem ritmo, sem sentido

Ainda não achei um ritmo, um gingado pra dançar comigo,

fico experimentando um pouco de cada,

nenhum tem meu jeito, nada tem minha cara,

tampouco achei um tom para aquela conversa,

um formato para aquela prosa ou uma verdade para contar,

A verdade que conheço é só um vento que sopra

por dentro,que passa e respira fundo

mas que sempre vai mudar, mudar um ponto

e depois tudo de quem se investigar.

Porque esta história de tempo é uma coisa de amargar.

Tudo que estava guardado uma hora deixa de estar

e vira vazio, poeira, difícil de acreditar.

O fato é coisa de momento

nada além de um acontecimento,

do destino um argumento, um ardil

ou um invento que só quer se legitimar.

E assim nessa incoerência parece que

a tal consciência consegue se esparramar

pois do que adianta cadência, certeza ou qualquer ciência

se o que fica é impermanência e o jeito de não ficar..

tudo passado a limpo e nenhuma palavra grita

Uma letra,uma caneta, uma forma de rabiscar,

um rascunho da minha ausência ou vontade de sonhar ...

Esta fastidiosa seqüência sem som e

sem sílaba só apreende o tempo que consegue

capturar e esse tempo é nada, queima como incenso ,

não aquele tempo imenso caído dos ponteiros

mas o único que só vale inteiro, uno e verdadeiro,

perfeito fotografado que aqui fica empalhado.


Bons mestres....

Não há nada que eu mais "inveje"( no bom sentido é claro e deus me livre ser invejosa!!) do que a ousadia e a espontaneidade com a qual alguns aportam sobre a própria vida(é claro que a diferença para a grosseria é a leveza, leveza e leveza). Eu venho ensaiando este texto desde que começei a achar que estava ficando adulta e nem sei muito bem quando foi isso, mas há um ingrediente dissente, discordante presente no meu cenário.
Decidir entre o que é indiscreto e invasivo e aquilo que é apenas espontâneo ou autêntico parece um talento apenas de alguns. De resto é como uma oração sem sujeito, tira a verdade e o sabor do episódio.
O bom senso de oportunidade é algo muito difícil de definir e talvez a coisa mais tênue entre os dedos. Ser oportuno e não ser chocante ou invasivo.
Eu, às vezes , me sinto como um programa de rádio AM em edição ao vivo, fico vertendo todos os meus erros e tentativas e quando não estou fazendo isso sinto-me uma impostora(ausência de substância), mas é necessário estar no controle porque isto faz parte do script. Afinal, somos os micos adestrados e formatados para caber num comercial de margarina.
O que me despertou esta pequena e boa frustração foi um trecho de uma entrevista( ou a entrevista toda) de Fabrício Carpinejar ( para revista Veja) onde ele declara inúmeras coisas sensacionais entre as quais selecionei "mas, com o tempo, aprendi a me reconhecer feio e isso me deu liberdade. Se sou feio, vou me inventar, vou escrever. Aí, comecei a rir de mim. Se sou uma piada, eu vou contar a piada. Não tive mais medo de ser patético, de ser ridículo."
Acho que não preciso dizer mais nada...fico por aqui?
O poeta do Twitter como vem sendo designado, afirma ainda que a poesia o ajuda a se definir..
Como eu já sabia...a verdade sempre fascina! Fazer poesia com o lugar comum, real e trivial é algo deslumbrante e apaixonante justamente por ser sincero e autêntico. Contar a própria piada assim a sangue frio é para poucos.
E para encerrar ele radiografa a minha alma dizendo "Minha vida é um atrito diante das outras vidas. Eu vivo recuperando o que é meu nos outros. E vivo devolvendo o que é dos outros que estava em mim. É esse jogo de comparações."

domingo, 27 de junho de 2010

A Incoerência e a Arte Extemporânea..

Hoje eu acordei inspirada, talvez porque tenha aparecido um pequeno indício de sol após dois dias de frio(para mim sempre intenso, porque frio é frio) e chuva que se traduz em "tudo ficará bem"( mais molhado) e , considerando que Bigrivertown já é praticamente um alagado ao nível do mar e rodeado dele, isto é praticamente o diário de um sobrevivente(normal).

Mas, apesar destas pequenas conspirações diabólicas do imprevisível dia à dia, estou disposta a ser co-criadora deste cenário , algo a ver com um tal de livre-arbítrio. Eu acho do meu dia o que eu quiser e ponto.

Tem uma frase que diz que fecha-se uma porta abre-se uma janela, pois então eu acrescento que se não abrir a gente arromba. Parece a declaração de um gângster, mas é apenas uma frase ruim.

O que eu queria falar mesmo é sobre falar, tentar entender como tudo funciona e montar o quebra-cabeças de letras de forma que tudo faça sentido. Se é que existe um, pois como dizia o genial físico Albert Einstein" eu não sei se louca sou eu ou são os outros" e por essas e outras vou despejando tudo por essas janelas arrombadas .

Já me resignei ao fato de que não sou nenhuma barda, mas também não sou uma esteta,portanto fico mais uma vez no limbo, junto com os noventa por cento da população brasileira que faz ruído na cadeira enquanto não entende o que se passa a sua frente.

Eu explico, li um texto outro dia falando sobre arte contemporânea( meu conhecimento de arte é praticamente aquele que obtive no colegial) e do quanto as pessoas comuns temem a arte contemporânea(arte pop.), talvez por falta de vivência da própria . Nunca tinha me dado conta do fato de que esta mesma arte, teoricamente falando, precisaria de uma certa dose de sinergia com sua matéria-prima( a sociedade contemporânea) e que esta (sociedade) é aquela que sai das exposições(quando vai) demonstrando evidente estranheza sobre as obras( do tipo:isso qualquer um faz!).

Não havia percebido o óbvio, o distanciamento da arte , dos curadores e críticos da sua matéria prima( a sociedade). Claramente, não existiria arte sem sociedade certo? Somos fruto de uma cultura e esta uma construção a partir de um grupo social. Sendo assim, estaria faltando alguma peça neste quebra-cabeças.
Mas o que seria esta arte contemporânea? Segundo a wikipédia um período artístico que surgiu na segunda metade do século XX e se prolonga até aos dias de hoje.Ainda é muito vago...
Ninguém tem dificuldade em perceber a beleza de artistas clássicos e ou modernos notórios porque está centrada na estética e nas referências que todos nós aprendemos a ter, nosso conceito do belo. Já o contemporâneo(não menos belo) está focado na leitura do comportamento, em outro tipo de estética, na crônica visual ( poderia ser? que medo!). Portanto fica muito mais complicado partir de um conceito novo de arte com o qual a maioria das pessoas não tem intimidade. É uma abordagem totalmente recente e portanto é necessário ilustrar esta sociedade sobre si mesma. Há um novo repertório de questões e análises críticas. ( o delírio)
Parece que há um certo temor à vulgaridade ou à "popularização" de algo que até então era tido como elitizado e distante. Como se arte fosse apenas coisa de artista.
No mesmo gancho do contemporâneo a blogosfera está revelando inúmeras e cada vez mais criativas formas de expressão, criticadas com ferocidade (é bem verdade) por alguns que ainda se sentem no topo da pirâmide. A mesma idéia que limitava a produção literária à esfera profissional, o jornalismo aos redatores, repórteres, fotógrafos e por aí vai.
As novas ferramentas da comunicação admitem do genial ao ordinário , a popularização destas novas formas de manifestação que se originam nas inúmeras tribos sociais. Autorizam o impensável.
Uma adolescente inglesa que grava vídeos para o youtube sobre maquiagem e vira marca de produtos de beleza, um garoto que envia vídeo clipes caseiros e é encontrado por um caça talentos de uma gravadora, um jovem que monta um blog como forma de terapia e acaba virando livro e referência de moda, um cartunista que publica seus trabalhos num site e ganha unanimidade. Já existem até um museus de arte digital. A amiga de uma amiga fazia trabalhos combinando fotos digitalizadas de coisas e objetos(como hobbie) e acabou se classificando para expor em um museu de arte digital.
A blogosfera oferece o diferente individualizado ou especializado , a possibilidade de perceber um novo enfoque da "arte" e da construção de uma contracultura às avessas.
De oficinas, performances e ensaios à catálogos de obras clássicas, toda sorte de construções que o engenho humano é capaz de inventar está disponível nos milhares de sites informativos divulgados democraticamente para quem quiser acessar.
Em outras palavras uma maneira de fazer tábula rasa com o que aprendemos a apreciar do ponto de vista do esteta quanto à pintura, arte gráfica, literatura, música, enfim, toda esta métrica estabelecida, este modêlo preconcebido e que está ruindo ( no bom sentido) e libertar o olhar para o original, o experimental e o desconhecido.
É possível aprender muito com as singulares e inesperadas manifestações que estão disponíveis(a um click) ao bom investigador do mundo e especialmente de si mesmo. O criador da wikipédia, Jimmi Wales afirmou recentemente em uma entrevista que o grande lance da web é a colaboração,a contribuição,partilhar conhecimento e informação.
Uma legião de cronistas de oportunidade e romancistas da hora está ao alcance dos olhos. É só degustar.Acho que a arte é , acima de tudo, libertadora e incoerente, como somos todos nós.
Pegando outra ponta solta lembrei que em comentada e recente matéria o grande poeta e escritor Ferreira Gullar ( encerrando a presente digressão sobre o entender a arte nos entendendo ) diz que ... "o poema (para ele) não tem plano, é uma grande aventura do como fazer, a página em branco que significa todas as possibilidades abertas, infinitas. O poema é cura, não doença, escreve para ser feliz.... é a alquimia da dor em alegria estética..diz que a arte inventa a realidade e que shakespeare ( adorei) inventou a complexidade da alma humana...
Gullar diz ainda que a " a poesia é uma dessas criações , no terreno da fantasia, que existe porque a vida não basta..."
Na mesma entrevista o poeta Ferreira Gullar cita um de seus antigos professores acerca das grandes revoluções políticas " A Revolução desmonta uma coisa que os séculos criaram" e isto leva muito tempo pois nenhuma mudança se opera aos saltos. Pois é, os séculos nos trouxeram até aqui e nunca deixamos de nos surpreender com os inumeráveis reveses histórico-cuturais que se operaram.A revolução tecnológica, midiática, cultural (e social) que estamos vivendo está derrubando conceitos e expandindo fronteiras , portanto reinventando a arte, o que é a marca do contemporâneo.
Estamos sempre de volta ao começo, no limiar de nosso inteiro desfazimento...
beijo extemporâneo
da melind@

    Fio  Entrei no absoluto e simples vagar do tempo. Invadi os espaços aparentes que reservei para um dia. Olhei minha própria fa...