domingo, 11 de julho de 2010

Mortificadora

Com exceção dos nossos pensamentos, parece que o resto ocupa lugar no espaço, mas um dia vai deixá-lo. Um amontoado de átomos de carbono animados por um sopro chamado vida construiu tudo o que chamamos civilização.

Pois parece que este resto de poeira estelar que permitiu que esta história começasse impôs um termo unilateral , condições peremptórias que nos põe vez em quando a divagar. Um tipo "decifra-me ou te devoro"! A mensagem é taxativa.

Quando recebemos uma notícia chocante em relação a alguém próximo parece que toca a sirene e nos pomos a tentar entender de novo o que já sabemos que será sempre um ponto obscuro.

Aquele esqueleto portando uma foice não faz jus a embaraçosa charada proposta pela morte, uma sombra, cúmplice de nossa fantasia, puro escárnio.

Ela é uma das figuras mais inspiradoras de que se tem notícia e é algo comum a todo e cada ser vivo(ou nem tanto) que já transitou por este planeta. Um enigma que nem mesmo os mais hábeis operadores de idéias conseguiram traduzir . Ela é assim, definitiva e sem nexo.

Aliás, nexo ela tem. Ela está para a vida assim como o pão francês está para manteiga, o feijão para o arroz, um não acontece sem o outro. Esta dualidade, mostrada de tantas formas , parece que nunca vai esgotar as combinações de perguntas e respostas, conhecimento e consciência, fato e narrador, câmera e imagem, fotografia e fotógrafo, observador e fato, quantas forem as possíveis combinações e tentativas dos protagonistas.

Por vezes penso que nossa finitude é que acaba nos tornando uma combinação tão complexa e interessante.

O fato é que você pode decidir que hoje vai montar aquele projeto que estava agendado e um punhado de sangue alojado em um coágulo dentro da sua cabeça resolver explodir e se derramar sobre todo o sentido que parecia que existia na sua vida. E isso vai fazer você parar e tentar entender o que esteve fazendo até aquele dia que nem percebeu que não queria estar fazendo nada daquilo.

Sobrevivência versus negação, um combinado que também ajuda a engrossar o caldo. Negamos nossa finitude a fim de dormir tranquilos. Esta ambivalência se enrosca por toda a nossa trilha e vai pavimentando o caminho pelo qual passeiam lado a lado as personagens principais, vida e morte.
Um domingo qualquer ( sempre domingo) após um longo almoço e uma tarde de Sol você percebe que está mudando tudo o que pode a sua volta para não ter que mudar nada dentro de você. Para não ter que tomar decisões e enfrentar a sua solitária batalha contra suas contradições.
Daí você chega em casa abre sua caixa de mensagens e encontra alguns ppts recheados com os 40 conselhos para ser feliz e nuanças cambiantes que até parecem verdades. Faça isso antes que seja tarde. Faça aquilo para aproveitar sua vida. Faça também tal coisa porque depois poderá ser tarde demais... lampejos disfarçados de sabedoria impressos sobre imagens perfeitas congeladas.

E a morte está lá, presente em cada um desses momentos,como um presságio, uma ameaça, em cada início e final, em cada aspa que cobre a palavra, em cada noite de sono profundo.

Lá está ela no seu coração batendo, entre cada espaço de tempo das batidas, no final do seu relacionamento, no sinal de trânsito, na crise do casamento, no dia do seu aniversário, na foto de casamento da sua mãe, justamente porque em cada episódio se imprime um ritmo, um procedimento e a certeza de um desfecho. Pra terminar existe o final.

Há um certo momento em que já podemos vislumbrar a sua face sorridente e serena andando por nossas veias, brincando enrolada nas nossas células e neurotransmitida em cada impulso nervoso.

E a grande blefada de todo este falso mistério é que a morte existe sem existir, porque quando ela chega, não existe mais. È uma fumaça transparente que dorme conosco, que respiramos e acolhemos . Tão íntima e tão desconhecida.

Não passa de cessação de movimento dando fim a batida ritmada das nossas trangressões. É o encontrão do tempo contra nossa catatonia , nos tirando o equilíbrio, balançando nosso corpo.

É o susto da verdade soprada no ouvido e sempre aparece de surpresa, quando se faz oitenta, quando se realiza aquela viagem , indo ao supermercado ou fazendo um exame de sangue, ao decidir parar de fumar.

Súbita como um imprevisto, cínica e obscena como a personagem mais atraente da trama ! Sem oportunidade para escrever o último parágrafo. Xeque-mate
beijo soprado
da melind@

    Fio  Entrei no absoluto e simples vagar do tempo. Invadi os espaços aparentes que reservei para um dia. Olhei minha própria fa...