quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Encontrando Melinda..

Esvaziar a mente é mesmo uma tarefa dura, até mesmo para uma mente adestrada( o que não é exatamente meu caso). Me sinto como Indiana Jones cada vez que começo a me preparar para meditar.Primeiro o corpo parece que cresce, o ar fica mais difícil e começo a me mover como se sofresse de espasmos. Muito bem, sossega leão. Inspira e exala. Respiração alternada. Sou insistente. Logo começo a jogar a isca para desviar aqueles pensamentos dominantes libertados pela 'mente' no momento em que tudo parece se acalmar. Precisa estar no controle, manter mais do mesmo, quer continuar lendo aquele livro ou quer falar ao telefone. Lembra do pagamento da fatura do cartão ou precisa urgentemente dar comida para o quadrúpede peludo.É preciso entregar o filme na locadora ou guardar o que ficou esparramado sobre a cama. Mais uma tentativa, resolvo me conduzir para uma caminhada na praia. Coloco o chapéu*,  enfio um tênis, não, melhor um croc e idealizo uma praia vazia. O mar está calmo e eu começo a andar. Fico sentindo a areia morna quando tiro o calçado. Olho detidamente minhas pegadas sendo desenhadas na areia. Continuo. Meu calcanhar começa a coçar. Resisto. Começa a rolar do outro lado da minha experiência na praia o remake de uma discussão inacabada. Lá estou construindo argumentos sobre a importância do aniversário da morte do primo da secretária da academia. Pronto. Voltei a estaca zero. Novamente saio pela praia e repito a operação. Dou um último aviso lobotômico antes de reiniciar. Bom desta vez parece que fui, já estou assistindo um por de Sol surreal , como uma pintura de Marc Chagall  e me sinto flutuando sobre a vida como uma parte postiça de mim. Na litografia de areia e água, em amarelo e azul eu segui pairando e deixando aquele mundo comum de cabeça para baixo, abandonado junto com aquela casca e sua mente dominante e que não consegue atravessar paredes. Esperei pela lua e ainda me vieram algumas palavras como versos alternados entre os dois mundos . Deixei-as lá no ponto tranquilo onde me encontrei por certo tempo que agora não é possível mensurar, ao menos quanto a sua equivalência. Um sonho real dentro e uma realidade ficcional do lado de fora. Quem sabe a arte não é uma forma de meditar-se e encontrar-se...

                                                         "bluelandscape" Marc Chagall

-Atravessar a parede das conveniências e tornar-se livre. Tomar posse de si! Que tal? 
-Acho bom.
-Bom? 
-Sim.
-Assim, só isso?
-Como assim...só isso? Acho bom.
-É um sofisma, uma falácia!?Não vê?
-Que seja!
-É como estar flertando com a irrealidade!
- Não passa de mais um instrumento de fuga!
-Fuga de que?
-De  conceitos superlativos e surreais! É só um desabafo, uma forma acurada de encetar um alicerce líquido.
-Pra quê?
-Acorda! Não existe um pra quê, simplesmente é! É a lenta fermentação de um pensamento recalcitrante. Sim um pensamento desses que acredita que pode-se ter uma vida fora do comum ainda que dentro de si mesmo.
Sonha Alice!
Beijo hiperbólico incompreensível
da Melind@

domingo, 30 de janeiro de 2011

Uma certa Merecilda...

Outro dia após um jantar com velhos amigos fui deixar uma amiga em casa e parei em local proibido. Estava junto com outra amiga( a Sô) e nos surpreendemos quando a viatura abarrotada de PMs alinhou na minha janela e emitiu um comando através do olhar 1548 que me fez arrancar imediatamente. Risadas depois lembrei de uma passagem hilária que voltou pelo tempo sobre uma certa Merecilda que merece ser contada.Eu era criança e nunca esqueceria um nome tão estranho...

A Merecilda apareceu na minha história nos anos setenta porque  foi trabalhar em casa de uns tios como doméstica. Merecilda  é um nome que ninguém merece e posto isso fica combinado que ela gostava de ser chamada simplesmente de Meri. A Meri também tinha uma história, poderia ser até uma personagem de Jorge Amado, mas passou escondida das páginas de um romance e  ainda muito  jovem , acreditou nas palavras macias de uma gajo que  acabou fazendo a  moça fazer a festa sem ter casamento - " prometer , prometer, até meter, depois de metido, nada prometido".Parece duro, mas é parte do repertório chauvinista vigente. Do encontro festivo nasceu uma filha, a Rosemary, motivo de  orgulho para  Meri, que após ser abandonada a  própria sorte pelo namorado conversador, teve que  ir em frente.
Não era muito bonito ser mãe solteira na década de setenta e portanto o fato era tratado com bastante discrição. A menina só aparecia em nome porque morava com a madrinha na zona mais rural da cidade ,' pra fora' como era o jeito simples da Meri falar. Todo mês a Meri as visitava e levava parte do seu salário que a  madrinha usava para pagar as despesas.
Apesar de um tanto limitada a Merecilda era muito dedicada e passava um filé divino na manteiga.Ficava levemente tostado e com aquela cor que fazia água na boca. Ela custou a aprender que plástico derrete e que "l" não é "r", mas isso foi só o começo. Acreditava que só ela sabia cuidar dos meninos, principalmente o mais velho, seu preferido.Gostava de contar histórias de horror e entendia os patrões como familiares,  tomando intimidades muitas vezes embaraçosas. Seria o que hoje chamamos "abusada".
Mas a Merecilda tinha formas de violão, ninguém ousava estimar sua idade, com aquela cor de café  e o gingado de fazer balançar os quarteirões  da vizinhança, além é claro de um sorriso enigmático de Monalisa.
A casa onde trabalhava e morava lhe reservava um bom quarto, ajeitado com banheiro e armário onde tinha retratos de artistas e as bugigangas que alisava por grau de importância.Espelho com borda dourada, bicudinhos de cabelo e a foto do namorado Jorge.
Adorava homem de farda e sonhava com o dia em que seria cortejada por um farda verde. A Meri sabia de seu potencial e quando passava o batom cor de rosa acreditava que seduzia todos os pares de calças.
Todas as tardes ao final do serviço se perfumava com água de colônia, cobria a boca de brilho rosa claro e  saía para o 'footing' pelas ruas do centro de Bigrivertown.Não chegou a ser uma lenda, mas era namoradeira. 
Certo dia parecia que seu destino havia mudado. A noite já caíra e a Merecilda telefonou atônita para a Patroa:
-Dona Dália?
-O que foi Meri?
-Eu tô num lugar e a senhora precisa vir aqui..
-Ir onde? O que está acontecendo?
Ao fundo se ouvia vozes de homens e ela falou com um deles. O homem tomou o telefone e disse:
- Boa Noite Senhora , aqui é da delegacia de polícia. .
- Delegacia de polícia?- repetiu a dona Dália.
-Sim senhora, a moça aqui  tem que dar umas explicações,  diz que trabalha para a senhora.-completou o homem.
Dona Dália chamou o Marido, seu Valdinei que foi logo perguntado:
-Mas afinal, do que é que se trata?
-Seria melhor o senhor vir até aqui...-disse o homem definitivo e  encerrando a conversa.
Era 1973, quando Bigrivertown ainda era área de segurança nacional e a cidade àquelas horas era um breu só. Seu Valdinei tirou da garagem um Ford Aeroíres bege com estofamento de couro da mesma cor e foi com a mulher a contra gosto até a delegacia que ficava relativamente próxima .
Ao chegarem à DP viram  aquela mulata  com um sorriso enviesado no rosto e cheia de orgulho. Enrolou duas vezes os dedinhos e  chamou a dona Dalia bem pertinho e dizendo:
-D. Dália  eles tavam me paquerando . Ficaram brigando pra ficar comigo!-a patroa baixou os olhos pigarreando e devolveu:
-Não diz besteira mulher! 
Ela se referia aos policiais da BM que haviam passado com aquela  farda verde em um camburão de ronda policial.
A voluptuosa Merecilda saira do bairro onde morava e atravessara uma conhecida zona de meretrício para chegar ao centro da cidade.
É lógico que ao perceber a camionete repleta de fardas ficou exultante. Esboçou um sorriso e pôs-se a foguetear. Quando o veículo diminuiu muito a velocidade teve a certeza de que seu cavaleiro de  farda havia chegado. Se aproximou dos militares, cada qual mais alinhado em sua farda e soltou algumas gracinhas com aquela voz de veludo cottele, o  que lhe valeu um passeio de viatura.
Foi detida por prostituição!
O seu Valdinei soltou uma gargalhada daquelas de segurar a barriga  e fez um trejeito com a língua.- mal entendido- Não acreditava na história que acabara de ouvir.
Dá para imaginar os adjetivos nada virtuosos usados para definir o vacilo da Meri. Ela não merecia!
A Meri já havia 'assinado' um boletim e estava sendo fichada. Seu Valdinei explicou sua ingenuidade, que era doméstica e não sabia ler ou escrever. Era moça direita, mas com certa limitação da inteligência. Desfeito o mal entendido foram-se todos ilesos.
A Merecilda embarcou na parte detrás do Aeroiris com puxadores cromados insistindo em que aqueles homens estavam interessados em cortejá-la. Jamais se convenceu do contrário. Quem vai saber?
- Me levaram porque não deixei abusar de mim..-repetia ela.
Tratando-se daqueles tempos o caso ficou lá com as suas obscuridades.
O seu Valdinei passou a contar o acontecido nas rodas de amigos. Ria com os olhos arregalados e segurava a barriga.
Um ano depois a família partiu quando seu Valdinei, que era funcionário público, foi transferido. A Merecilda  ficou esquecida. Virou só uma história  folclórica daqueles tempos que eu ressucitei no boca a boca.
Merecilda,  ninguém merece...ah não!

beijo merecido
da Melind@

    Fio  Entrei no absoluto e simples vagar do tempo. Invadi os espaços aparentes que reservei para um dia. Olhei minha própria fa...