quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Desabafo

Quando algo acontece em nossa vida é melhor não resistir. Isto é um pouco de teoria do caos e um pouco de tao.Também é um pouco de teoria de botequim. Enfim, talvez a melhor escolha seja deixar fluir. Conter o fluxo é como tentar segurar a água quando o copo vira. Depois do efeito impacto é que vamos avaliar o estrago.

O planeta está indo rumo ao destino que o estamos conduzindo e não importa o que façamos. Ontem eu conversava com uma superamiga que considero um exemplo de caráter e cidadania. Além de ser uma profissional vitoriosa, é excelente mãe, esposa solidária, exemplo de ética , atleta e , de quebra , uma ambientalista nas horas vagas. Tem poço para não desperdiçar água potável, faz compostagem, tem horta fertilizada com o adubo que produz, economiza água, educa e pratica cidadania. Tudo na mais completa discrição, com a naturalidade dos convictos. Entretanto ontem se descabelava por perceber amargamente que a maioria das pessoas não dá a mínima para a correta conduta ambiental. Após computar que em seu ambiente de trabalho apenas duas pessoas separavam lixo para reciclagem ficou visivelmente desanimada.
É aí que está o ponto. Muitos ainda acham que há exageros e alarmismo nos que apresentam as estatísticas nebulosas sobre o futuro do planeta, mas a indiferença a que me refiro está associada a outros relaxamentos morais e a uma gradativa alienação que coloca questões como esta ( a saúde do planeta) no final da lista, fora das prioridades .

Por mais consciência e experiência que a vida nos oportunize fica muito difícil manter a lucidez diante do bombardeio apelativo do mundo ao qual estamos acorrentados. Acabei de prometer que vou mudar meus hábitos. É uma proposta. Embora me considere dotada de perspicácia e adequada inteligência, deixo-me conduzir facilmente pela frivolidade . Acabo me movendo na direção errada e inútil da nuvem de poeira. Faço seleção do meu lixo limpo, procuro reaproveitar tudo que posso, não desperdiço comida, mas ainda assim estou longe de uma postura adequada. Sou uma consumista quase patológica. Confessei. Este é meu maior crime.
Agora há pouco eu lia um texto que citava o princípio do tao, que preconiza a simplicidade e o estado espontâneo da harmonia do homem com o Tao. É a ordem natural que busca ensinar ao homem a integrar-se na natureza, a fluir, a integrar-se em si mesmo em harmonia. Certo!
Onde está esta fluidez dentro do atual modelo que estamos concebendo?

Somos ítens de consumo , consumidos por parâmetros instituídos, por estatísticas de comportamento e por metas inatingíveis. Somos vítimas de nossa própria criação. O monstro chamado produto social está em crise.

Estou propensa a fazer pactos comigo que acabo por não cumprir, mas desejo sinceramente mudar minha relação com o consumo. Penso nos tempos em que eu era muito jovem( porque agora ainda sou super jovem...) e me imaginava vivendo em uma comunidade com os cabelos cheios de tranças , com vestidos compridos escutando os pássaros cantando e produzindo tudo que precisava. Naquele meu sonho tudo de melhor que eu poderia produzir estaria dentro de mim e não na megaprodução diária em frente ao espelho. Eu não sonhava em ter armadura social. Eu não sonhava em ter uma armadura social .


Eu poderia pensar que aquilo era um sonho deslumbrado de uma jovem que não conhecia muito do mundo ou da vida, mas o fato é que esta jovem ainda continua viva dentro de mim se perguntando porque raios eu me permiti esquecer aqueles sonhos....

Eu fico chocada ao me perceber sonhando com aberrações do tipo que só cabem em manequins de vitrine de shopings e mais perplexa ainda ao dar-me conta do espaço ocupado em minha mente com estas bestialidades.

Ah não , eu não estou afirmando que a vaidade é banal e que não é importante curtir moda e transar o corpo! Gostar de compor um visual é megalegal, principalmente se for de forma estética e criativa. É lindo quando a imagem de alguém desliza sob os nossos olhos, transbordando harmonia na composição e refletindo muito da identidade daquela pessoa. Eu já mencionei aqui que curto analisar este tipo de jogo de cena que as pessoas costumam praticar naturalmente, mas o que estou lamentando não é nada disso!

Ser completo onde quer que se esteja e com qualquer visual e, possuindo mais ou menos, deveria ser o que aprendemos no kit essencial para vida. É lamentável que ao invés de valorizar a unicidade, a singularidade que a vida nos oferece, aprendemos a abrir mão dela.

Aprendemos, e não é de forma sub-reptícia, que o importante é ser aquele que foi esculpido pelo fotoshop no outdoor. Aquela imagem virtual que só existe para provar que nunca seremos bons o bastante. A lição que ensinamos às proximas gerações é que o indivíduo é medido por suas conquistas materiais e por sua estética , além da esperteza , é claro. Importante ser manequim de vitrine de shoping, mesmo que isto seja sempre igual e muito chato. O senso comum transpira a idéia de que aquela imagem congelada da felicidade é um fim a ser atingido. Só falta colocar nas letras pequeninas do contrato que aquilo não existe, é tão palpável quanto o vento.

Que valores estamos transmitindo ao mundo? Que mensagem estamos deixando na energia do universo. Será que estamos afirmando com nosso comportamento que toda a engenharia magnífica da vida e da inteligência do cosmo fica limitada a uma imagem sintética, a uma vida in vitro, a um padrão de layout que torna-se condição "sine qua non" para a autorealização ( seja lá o que se entenda por isto).

Eu quero sair em busca da simplicidade de ler jornal apenas para deleite e conhecimento da diversidade e não para ser bem informada. E aliás pensar sobre o que é importante, de fato, para minha informação? O que é relevante para minha vida?

Do amontoado de notícias que aparecem nas páginas das grandes revistas e jornais diariamente, a redonda maioria é absolutamente dispensável. Diria que recomendável seria não tê-las lido porque são tóxicas , ou são distorcidas ou inúteis ou pior, traduzem a torpeza a que conseguimos chegar como espécie. Quando não são alijantes e entorpecentes dos sentidos pelo tanto de manipulação e tendenciosidade que contém.


Então eu diria que estou a procura daquela jovem que deixei sentada em alguma praia segurando um livro de poesia ( porque certamente a vida não é o bastante).


Fiquei um minuto lembrando a pauta do dia à dia que acaba aproximando as pessoas e fiquei aterrorizada ao perceber que a maior parte dos diálogos poderia ser apagada do script sem comprometer a trama.


O que vai sobrar para trocar se remorvermos todo o material sintético de nossas vidas ou pelo menos parte dele?


Sem perfumaria e cosmética sobra gente, apenas gente dotada de sentires e pensares , de sonhos e belezas pautadas pelas marcas e histórias , pela inventividade e talento de cada um. Sobra a arte pura de viver, assim no infinitivo. No infinito das possibilidades que existe ( e sabemos) dentro da maior simplicidade da vida. Vigor, inventividade, valentia , entusiasmo e romance( eterno romance consigo mesmo). São cinco chaves para exercer o VIVER.

Há sutilezas que a vida coloca num canto da sala e só os olhos mais sagazes estão aptos a captá-las. Quem só olha para o foco perde o arrebatamento.

beijo pactuado

da melind@

domingo, 22 de agosto de 2010

Os dois ficaram ali a contemplar aquela aurora roubada do não existir.

O coração ficou muito acelerado e as batidas pareciam alcançar vários decibéis. As mãos suavam de forma incomum e sentia que precisava conter-se. Era quase choro. Exalou tudo o que restava e caiu num sono exótico.
Quando deu por si estava em uma praia , onde não era dia nem noite. Aqui nem lá. O lugar tinha uma certa familiaridade porque sentia-se agora muito à vontade. Havia muitas tendas espalhadas entre a margem o o calçadão. Após o calçadão, que se estendia como um colar separando pescoço e corpo, não havia mais nada. Pelo menos um nada que possa ser considerado.
Nas tendas havia muito material sobre uma nova ciência onde se aprende conceitos sobre si mesmo.
Andava por entre as bancas que anunciavam produtos que não se compra e misturava-se a todos que passavam por ali, mas que não podiam ser vistos por suas perguntas. Ao seu lado caminhava o seu espírito, orgulhoso por mostrar-lhe o mundo sob o qual ele tinha total domínio.
Naquela praia entre dois mundos eles se bastavam. Seguiam juntinhos em um silêncio revelador, enquanto ele mostrava seus rostos entre os rostos.
Apesar da escuridão, havia muita luz, mas não claridade. Ao mesmo tempo ela pensava que sua memória era traiçoeira. Havia lacunas preenchidas com peças sobressalentes. Já não tinha certeza de cores.
Percorriam os passos em meio a cidade invisível onde tanto acontecia apesar de não ser exata.
Por vezes parecia um passeio comum sob o Sol. Como nas feiras livres, vestindo tênis e sentindo o cheiro da vida.
O espírito, às vezes, murmurava palavras ininteligíveis no ouvido dela. Não queria abrir mão do silêncio. Ela sorria e pensava que não podia esquecer do que não sabia. Como seria o dia seguinte, será que lembraria das certezas?
Ela queria papel e caneta. Por um instante lembrou de quando escrevia "Tamo" a um namorado a fim de não comprometer-se inteiramente com o amor. Bobagem lembrar daquilo agora -pensou.
Sentiu-se tola! Mas ali não havia sentires para tola. Tola não faz sentido.
Aqueles símbolos intrigantes que não estavam naquele instante. Um porta-retratos para não colocar fotografias, muitos livros sem título. Uma vida inteira de nada. Pessoas inexistentes, como o cavaleiro de Ítalo Calvino, que apesar de ser uma armadura vazia, sentia, sofria e pensava mais do que os que realmente existiam.
Lembrou novamente do quanto adorava feiras livres. Estava pelo avesso de uma feira livre onde só via o que não existia e nem por isso era menos intenso e tranbordante.
Avançar pela noite com seu companheiro a lhe mostrar o tanto que não existia e mesmo assim estava por todos os lados e em todos os tempos, era exótico até para ela.
Estranhamente, como não poderia deixar de ser, percebeu que tudo aquilo que tanto insistia em não existir, estava lá, possível e escancaradamente incógnito entre a realidade e o sonho que não foi sonhado.
Livros que estavam ali para não ser entendidos e todas aquelas frases apagadas justapostas para que definitivamente desistisse de encontrar o que não existia, mas que acontecia como uma avalanche que remove violentamente a capa da superfície e a atrita com seus fragmentos arrancados até que a força cesse.
Os dois ficaram ali a contemplar aquela aurora roubada do não existir . Se olharam bem dentro um do outro e acordaram.
beijo inexistente
da melind@

    Fio  Entrei no absoluto e simples vagar do tempo. Invadi os espaços aparentes que reservei para um dia. Olhei minha própria fa...