terça-feira, 20 de julho de 2010

Anestesia Geral

Eu não me considero autoridade para falar de nada além de mim, e olhe lá, porque muitas vezes não tenho controle sequer sobre o que vai entre meus pensamentos, tal o bombardeio sem trégua de informações a que todos somos submetidos.Ufânicas idealizações de bem e mal estereotipadas grosseiramente nos convencem facilmente a ficar no lugar comum. Mas vá entender os seres humanos. Falo da hiperbólica poeira midiática sobre a escalada de violência que vem patrocinando a audiência nos noticiários. Uma violência compartilhada palmo a palmo com os "lares" de cada um de nós, banalizada e vivenciada entre as famílias, assimilada por crianças ainda sem maturidade e discernimento.Passou simplesmente a fazer parte do cardápio, assim sem pudor, engolida inteira.

Acho que os campeões do mau gosto são os programas ao vivo sobre ocorrências policiais(violência banal em Holofotes no crime. ) e os que se ocupam dos escandalos sobre a intimidade dos famosos. Depois os programas que fazem a cobertura de esportes , que acabam se restringindo ao futebol (outra onda fanática).

Não tenho por hábito assistir TV(já mencionei ), embora seja uma facilidade para se obter um apanhado geral dos fatos, não resta dúvida(este é o mundo da informação-pobre de você não estiver a par das últimas paradas entre Venezuela e Colômbia ou das barbeiragens do presidente Lula quanto às manifestações do prisioneiros cubanos). O mesmo acaba ocorrendo com os sites de notícias rápidas (tudo tem seu preço). Partindo deste ponto de vista é preciso filtrar e conter esta panacéia orquestrada para dominar audiências e mover gordas cifras em favor dos mecanismos de publicidade e consumo.

Publicidade e consumo, as alavancas do complexo sistema econômico ao qual estamos alinhados. Os criadores do canto da sereia.Estabelece-se a ditadura do "como pensar".

Este domínio apoteótico acaba gerando uma leitura equivocada das coisas e criando uma generalidade moral e eticamente perniciosa. Esta sensação desalentadora de caos nos coloca sentados na platéia novamente. De agentes à pacientes, passivos cidadãos adotando a conduta de rebanho conformado. Não consigo deixar de lembrar do filme Wall-eWall-e , meu mundo e nada mais.... , onde o que restou da humanidade aparece representada por cidadãos obesos( sedentários) conectados integralmente a monitores e teclados em rede, controlados por uma inteligência virtual que lhes provê tudo de que precisam. Isto mesmo, você não precisa pensar, eu decido o que é melhor . Como se aquele modelo anacrônico paternalista de estado fosse substituído por uma forma mais sutil de controle, com anestesia geral. Aquele fazia uso da censura e este se utiliza da vulgarização(torna tudo normal e aceitável).

Isto fica patente quando constatamos a legião de novas seitas e religiões que nascem a cada minuto como capim, ganhando legiões de adeptos perdidos, conquistando novas frequências em rádios FM, sites e canais de TV. Pretendem oferecer "socorro" fácil a mentes vazias. Também se evidencia quando observamos que a parcela mais frágil de nossa pequena horda, as crianças e adolescentes, são arrebanhados por tribos mirabolantes que ditam comportamentos esquisitos e supostamente irreverentes, assim como os pais passam a necessitar de manuais de instruções para educar seus filhos e o Congresso passa a legislar sobre a forma como os pais devem agir ao impor os limites aos seus filhos, a exemplo do Projeto de Lei 2654/2003.

Se entorpece os sentidos( um programinha pode custar um embotamento generoso e todos sabemos o quanto a TV emburrece com suas informações digeridas e prontas para ser armazenadas sem o crivo de nosso próprio discernimento) e preenche a mente com tantas lixeiras inúteis ( você é até capaz de jurar que foi você que pensou aquilo) por que é tão difícil sair deste ciclo vicioso?

Guardo na lembrança a imagem de meu pai abraçado ao jornal Correio do Povo ou escutando a rádio Guaíba no início das manhãs enquanto me preparava para ir para escola. Lembro de crescer em uma casa silenciosa, exceto pelas conversas de seus moradores. Lembro de brincar na rua, ver meu irmão fazer Kart de madeira com os moleques e fazer experimentos desastrosos. Sobrava espaço na mente para observar e observar-se. Tinha horário e limite(dolorosos, mas necessários).


É melhor ligar o alerta pois assim como no mundo do adorável Wall-e, sabemos que existe uma propensão da natureza humana ao fácil, ao delegar ao outro a responsabilidade, só que estas maravilhosas facilidades da modernidade estão nos tornando seres assustadoramente vazios, sem o elemento que nos torna mais genuínos, o fato de sermos únicos e originais. Forjar nossa edição pessoal dos fatos que nos cercam é forçoso. Afinal, quem está no controle?

Acho que é possível sobreviver sem saber quantos mililitros de silicone a Mariposa erótica alçada a condição de celebridade colocou nos peitos ou quem é a nova "Maria chuteira" que está namorando o coisaldinho.

Enfim, não há respostas delivery, é preciso juntar os Retalhos ensadecidos...

O lance é aspirar a poeira!!



Beijo empoeirado


da melind@

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Tóc tóc: ainda tem jeito.

Mais uma tarde de chuva torrencial e frio. A tinta que colore o cenário continua sendo o cinza e o barulho é aquele silêncio entrecortado pela água, sem raios ou trovões, sem brilhos ou empolgação qualquer da natureza. As gotas se desprendem do nada e se acumulam na calçada. Carregam restos das histórias recentes dos personagens que passaram por ali, especialmente as cascas que deixaram pra trás. As cascas descartadas daquilo que o homem não incluiu, restos de gente em meio as sobras e lixo.

A campainha acusa uma presença estranha.

Um rapaz magrinho coberto por roupas acinzentadas pelo dia , sob um peremptório guarda-chuvas quebrado e carregando pelo menos oito sacolas contadas de "lixo" aparece emoldurado pelo postigo.

No outro lado do cenário a impaciênca pergunta:

- Sim! - embora preferisse dizer- Olha hoje eu não tenho nada para lhe ajudar.- Mas respeitou o script e esperou.

-O carro é daí ?- perguntou o rapaz surpreendendo a interlocutora entediada enquanto apontava para o automóvel estacionado em frente.

Parece que ele não decorou seu texto. Mudou o tom. Sua fala deveria ser uma história triste sobre a irmã ou a mãe necessitada, ou ainda sobre a filhinha doente ou a falta de uma passagem.

- Não , não é daqui não . Por quê? - perguntou a curiosidade desconfiada.

- O vidro está aberto! Está molhando tudo!- disse o jovem definitivo.

Errou o texto novamente. E agora?

- Ah! Pois é. Não sei de quem é não!- E ficou muda!A vergonha ficou muda e vazia. Não conseguiu improvisar.

Segurou entre os dentes o "mas de qualquer forma obrigado", que não conseguia pensar.

Faltou perguntar:

- Por que um garoto assim, carregado de sacolas de restos de lixo, com frio e molhado pela chuva, embuchado de "nãos" e achincalhado por todas estas portas fechadas para universos quentinhos e aconchegantes está preocupado com a janela do carro de alguém?

Sentiu aquela sensação estranha e a divagação na mente. O preconceito não se conforma por ter errado a mão.

Qual seria a história por trás daquele rosto. O que haveria escondido naquele olhar gentil encharcado de privação.

Por que ela esperou uma atitude menor daquele ser humano?

Sem mais palavras aquele garoto se foi, andando sob a chuva e carregando (junto com as sacolas de papelão)sua história de certa grandeza diante daquele cenário irritadiço e alagado de contrariedades pela terceira tarde consecutiva de chuvas e intenso frio.

Antes de se afastar esboçou um sorriso de Monalisa, que a deixou com munição para dar um tiro no pé.

O proprietário do carro , que certamente estaria indignado quando o encontrasse inundado(justamente no banco do motorista) não saberia que um benfeitor humilde e anônimo, talvez até faminto, tentara avisá-lo contrariando a ordem vigente do "cada um por si".

Certamente o garoto negro de capuz cinza e olhar molhado não hesitou sobre diferenças, apenas foi solidário e gentil.

- Hei moça: Tóc tóc! Ainda tem jeito!

beijo afogado

da melind@

    Fio  Entrei no absoluto e simples vagar do tempo. Invadi os espaços aparentes que reservei para um dia. Olhei minha própria fa...