A campainha acusa uma presença estranha.
Um rapaz magrinho coberto por roupas acinzentadas pelo dia , sob um peremptório guarda-chuvas quebrado e carregando pelo menos oito sacolas contadas de "lixo" aparece emoldurado pelo postigo.
No outro lado do cenário a impaciênca pergunta:
- Sim! - embora preferisse dizer- Olha hoje eu não tenho nada para lhe ajudar.- Mas respeitou o script e esperou.-O carro é daí ?- perguntou o rapaz surpreendendo a interlocutora entediada enquanto apontava para o automóvel estacionado em frente.
- Não , não é daqui não . Por quê? - perguntou a curiosidade desconfiada.
- O vidro está aberto! Está molhando tudo!- disse o jovem definitivo.
Errou o texto novamente. E agora?
- Ah! Pois é. Não sei de quem é não!- E ficou muda!A vergonha ficou muda e vazia. Não conseguiu improvisar.
Segurou entre os dentes o "mas de qualquer forma obrigado", que não conseguia pensar.
Faltou perguntar:
Sentiu aquela sensação estranha e a divagação na mente. O preconceito não se conforma por ter errado a mão.
Qual seria a história por trás daquele rosto. O que haveria escondido naquele olhar gentil encharcado de privação.
Por que ela esperou uma atitude menor daquele ser humano?
Sem mais palavras aquele garoto se foi, andando sob a chuva e carregando (junto com as sacolas de papelão)sua história de certa grandeza diante daquele cenário irritadiço e alagado de contrariedades pela terceira tarde consecutiva de chuvas e intenso frio.
Antes de se afastar esboçou um sorriso de Monalisa, que a deixou com munição para dar um tiro no pé.
Certamente o garoto negro de capuz cinza e olhar molhado não hesitou sobre diferenças, apenas foi solidário e gentil.
- Hei moça: Tóc tóc! Ainda tem jeito!
beijo afogado
da melind@