domingo, 12 de setembro de 2010

Tempos de violência: faça sua escolha

Há um lugar comum que está por todos os lados que é o apelo maniqueísta de que há o bem ou o mal. Muito bem. Todos sabemos ao abrir os olhos, ao assistir o noticiário, ao ler o jornal ou até mesmo ao andar na rua que a "violência" está por todos os lados. Seria ingênuo dizer que é de outra forma.

Entretanto é necessário manter um ponto de equilíbrio. Um ponto de vista reflexivo e lúcido a respeito do semelhante. O que eu quero dizer é que por trás da história e aparência de cada um há um indivíduo cheio de singularidades. Há um ser construído que não é apenas uma boa criatura ou um representante do lado sombrio da força. Cada um de nós tem um Luke Skywalker e um Darth Vader por dentro. Isto está escrito nas entrelinhas do dia a dia.

Ontem à noite eu tive um claro exemplo.

Estava indo colocar o lixo orgânico no contâiner verde quando tocou o telefone. Suspendi a operação e acabei ficando ao telefone por muito tempo. Como deve ficar óbvio eu esqueci totalmente do lixo.

Muito tarde, quando fui verificar portas e recolher-me observei o lixo ali parado. Confesso que não titubiei, peguei o saco e me dirigi para fora. Abri o portão e caminhei três passos pela calçada. Era possivelmente uma hora da madrugada (sou notívaga) e a rua estava totalmente escura. A lâmpada em frente que ilumina o contâniner estava apagada.
A escuridão deixava entrever apenas um vulto com capuz( Pânico II) e uma brasa fumegante de cigarro dirigindo-se para o grande recipiente verde de lixo.
Estanquei por alguns segundos. Foi o tempo de respirar e decidir. Ir em frente ou desistir e voltar para casa. Ainda havia tempo.
Não sei porque razão minha decisão foi a aparentemente mais tola. Fui em frente e caminhamos um na direção do outro. Ambos rumo ao contâiner de lixo. Eu para postar e o vulto estranho para investigà-lo.
Caminhei os passos mais rápidos que lembro e quando cheguei ao local o vulto preto fumegante abriu a tampa da lixeira para que eu colocasse meu lixo. Correspondi, deixei o lixo e agradeci calmamente.
Dei as costas e saí caminhando lentamente. Pensei naquele momento que poderia ser atacada pelas costas ou uma infinidade de indignidades que vem a mente quando nos deparamos com uma suposta ameaça. Estranhamente não fiquei tensa e ou preocupada. Quando cheguei até o cordão da calçada concluindo meu comportamento suicida e que muitos dirigam leviano, ouvi uma voz dizendo:
- Obrigada moça. A gente só tá catando mas as pessoas tem medo de chegar perto.
Voltei-me surpresa e envergonhada de meus pensamentos nefastos. O homem magro e vergado com capuz caminhava pelo canteiro em direção ao seu destino.Eu disse embasbacada:
-Ah é!
O homem continuou caminhando e terminou:
- Se uma outra hora a senhora tiver um agasalho velho pra dar a gente aceita.
- Se o senhor passar outro dia posso olhar sim- respondi sem graça.
- Boa noite- disse.
- Boa noite pro senhor -respondi
Assim , de forma redentora encerrou-se um momento em que a consciência falou mais alto do que o instinto.
Tenho certeza que ganhei pontos. Contribui para que o amor próprio daquele homem, catador de lixo da madrugada, se nutrisse de esperança.
Ele poderia ser um marginal. Talvez seja. Mas naquele momento eu escolhi a parte humana daquele indivíduo e ela correspondeu com humanidade. Dei-nos a oportunidade de comportarmo-nos como cúmplices solidários de uma mesma verdade, mas como lados distintos .

A sensação de ter agido de forma correta me fez muito bem.
Acredito que é preciso usar a consciência e a intuição, mesmo que às vezes tenhamos que correr riscos.
beijo beijo
da melinda

Observação:
O contâiner verde tem sido um dos instrumentos mais didáticos para meu aprendizado de vidaeu-sou-uma-deslumbrada-, pois ja encontrei ali mendigos intelectuaisadaptacao., vendedores de cds de porta em porta e também catadores altruístas/toc-toc-ainda-tem-jeito..

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