Eu tive uma tia que era deficiente , aliás foram duas irmãs, mas estou aqui a lembrar desta que só agora partiu. Após uma vida longa de incontáveis razões para não viver.
Nasceu por volta de 1930 sadia, mas frágil, não sei ao certo que enfermidade a acometeu ainda muito pequena e legou-lhe um atraso mental associado a um distúrbio na fala, algo neurológico que não foi suficientemente diagnosticado. Era como se tratava questões como esta nos anos 30.
Não havia muitos conhecimentos e logo tratava-se de rotular , é doente.
Ela viveu com esta limitação sob os rigores do adestramento de minha avó(viúva ainda muito jovem). Aprendeu a lavar, escovar, limpar, costurar alguma coisa e até fazer tricôt. Assistia TV e serviu a todos do jeito que aprendeu. Veio ao mundo para servir. Cuidava das galinhas, do pátio e do varal.
Não creio que lhe tenha sido permitido entender-se como mulher e lembro que sentia muita vergonha e encantamento quando falava sobre namorados.
Era ingênua sob alguns aspectos, mas sua incompreensão das coisas a tornava muito defensiva e desconfiada. Por vezes briguenta e lambanceira, como dizia minha avó. Tomava fé de tudo o que acontecia.
Ninguém sabia qual seria seu destino quando minha avó se fosse.
Ela cuidou da mãe até que morresse. Nos primeiros tempos se libertou. Pela primeira vez sentiu-se livre . Andava pelas ruas da vizinhança com a irmã( também deficiente) e ganhou a simpatia de várias pessoas. Eram duas crianças . Achava tudo engraçado. Achava que os homens a estavam cortejando. Sentia vergonha e fazia graça infantil.
Não sei de fato como aquela criatura magricela e desengonçada que não sabia articular palavras corretamente e se comunicava de forma tão primária se sentia a respeito do mundo.
Um belo dia este curto período de primavera acabou. A irmã fraturou a perna gravemente e acabou sem andar.
Ela passou a cuidar da irmã, voltou a ser útil apenas. Pouco tempo depois foram morar as duas em uma instituição para idosos. Logo a irmã morreu. O irmão morreu . Ela perdeu a visão e uma isquemia deixou-lhe como sequela a impossibilidade de andar.
Estava completo o quadro. Vivendo em meio a estranhos, cega e sem poder andar e se comunicar passou os últimos 13 anos.