sábado, 14 de novembro de 2009

Adaptação...

Hoje no final da manhã eu lamentei não ter uma máquina fotográfica à mão para registrar duas imagens inspiradoras. Quando passeava com o Stuart passei pelo famoso container verde de lixo que fica entre os canteiros arborizados da minha bela rua e lá estava um homem de barba branca um tanto suja, pele queimada e castigada, com um terno muito velho , de um verde escuro acinzentado pela imundice, chapéu de camurça amarrotado combinando. Debruçado comodamente sobre a lixeira aberta, lia o jornal que havia encontrado entre outros ítens que seriam usados em seu escambo diário. Indiferente ao odor fétido que exalava do recipiente e às moscas que andavam por ali, permaneceu inerte e centrado na leitura, em seu mundo próprio, ignorando os que passavam cegos pela sua desimportância. Invisibilidde social.
Fiquei pensando qual seria a história daquele personagem tão curioso. Poderia ser uma história comum, uma grande perda amorosa, um emprego perdido , uma traição ou poderia ser alguém que teve a vida destruída pelo álcool. Que fato poderia ter levado um homem a abandonar seus propósitos, seus hábitos essenciais de higiene , sua dignidade? O que leva alguém a deitar-se com o lixo e o excremento, sem qualquer pudor?
Lembrei de um trabalho feito na USP por um sociólogo e também de um email que rebebi, ambos com referências correlatas ao que acabo de descrever.
O trabalho da USP usava como experimento colocar pessoas de destaque vestidas como garis ou faxineiros. Estas eram ignoradas por alunos e funcionários , que passavam indiferentes.
A experiência do Email ocorreu em NY, onde colocaram da estação do Metrô, um músico famoso, cujo show custava mil dólares o ingresso, tocando uma peça famosa em um violino raríssimo. As pessoas ignoravam o músico, que ali permaneceu tocando por horas.
As pessoas levam suas vidas , apáticas, insensíveis ao que passa a sua volta. Talvez como eu, contemplem à distância e pensem, como as coisas chegaram a este ponto? Por que não estou achando triste?
Onde estavamos que não vimos estes detalhes?
Privação e mendicância sempre existiram, mas o endurecimento das pessoas é que me assusta. As misérias foram incorporadas à nossa trajetória e agora solidificaram.
Ainda esta manhã , na sequência e no mesmo container, estava um carrinho de supermercado (provavelmente "tomado emprestado") cheio de lixo reciclável e entre papelões e caixas estava também um menino de uns três anos de idade. Em meio à rua , entre os carros que passavam, o garoto divertia-se enquanto a mãe remexia nos sacos a procura de sua matéria-prima.
O carrinho de compras virou carrinho de bebê e os jornais velhos, brinquedos, assim como o jornal de ontem servia informações ao nosso "Carlitos"(me lembrou Carlitos do Chaplin) da periferia que aristocraticamente debruçava-se sobre as informações da semana. Quem sabe se política, futebol, ocorrências policiais e até economia. Confesso até que fiquei curiosa, como se as pessoas que vivem a margem desse mundinho de Alice não tivessem seus interesses em um contexto. Daria uma boa ficção!
A vida adapta-se à miséria, à indiferença, ao muito , ao pouco, ao quase nada. A vida simplesmente continua seus passos em todas as suas direções. Ainda bem!!
Beijo adaptado

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