domingo, 7 de fevereiro de 2010

O ponto

Na escuridão da estrada era possível ver as mãos agarradas, como se fossem uma da outra. Ele apertava firme a mãozinha delgada que conhecia de olhos fechados. Sentia seu calor. Lembrava de quando aquela mão firme e macia segurava na sua, tão pequena e insegura. Os carros não olhavam para eles ali parados no acostamento em uma brecha, refletidos nos faróis. O olhar dele era ignorado por ela , que ainda trazia os óculos antigos com lentes fotocromáticas e chapéu de ráfia agarrado na cabeça. A bolsinha caprichosa de usar aos domingos e a roupa fresca escolhida para enfrentar um dia tão quente. Tão quente como a muito não se via. A mata fechada às suas costas ainda guardava o calor da tarde, embora já passasse muito das nove.

Ele olhava os carros indiferentes enquanto esperavam o coletivo. As luzes desenhavam seus corpos estancados ali no silêncio. Carros desfilavam como em um cortejo costurado na estrada.Pensava o quanto ela já estava frágil e se afligia ao pensar que logo estaria chegando sozinha à casa que um dia foi tão acanhada. O tempo já havia levado tantas coisas. Seus tentáculos engoliram a juventude e o futuro dela. Levaram também o que devia sequer ter existido. Ela iria só, segurando seu corpo rechonchudo, ao encontro da casa humilde com uma velha televisão na rua 12. Um dia já havia sido um lugar pobre, agora era indiferente. Pensava que um dia ela iria para sempre.

A mão aproveitava para um suave carinho, sem que ela percebesse. Não queria que sentisse sua apreensão, pensamentos sombrios caminhavam por ele. Não queria. Por tantas vezes quis voltar naqueles dias para sentir de novo a mão dela vestindo a sua de guri, orgulhosa . Não importava que fosse magro e desajeitado, não importava se riam dele ou se não tinha quase amigos, tinha a mão vaidosa da mãe.

O coletivo foi parando definitivo e ela explicou a ele com o olhar que ia ficar sempre bem. Deixou-o ali abraçado na noite fresca a espera da chuva, ainda com o calor dos seus dedos na palma da mão. Os carros continuavam cegos sem se importar com seus destinos.

Olhou até que virasse um ponto em meio aos raios que se desenhavam no céu. Talvez quisesse deter o ônibus e guardá-lo nos olhos como uma tela.

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