quarta-feira, 21 de abril de 2010

Amizade, transição e outras coisas

Hoje eu queria falar sobre amizade. Este substantivo abstrato,友情 (yujoo), no Kanji japa-chinês que ouvi outro dia! Aprendemos esta palavra como um conceito vazio, que vamos preenchendo ao longo da vida. A cada novo ponto do tempo de nosso percurso a representação deste pensamento vai ganhando novas tintas e uma palavrinha tão singela vai ficando muito, muito complexa.

Chego a conclusão de que é muito difícil formular certas idéias por meio de palavras. Parece que não são eficientes o bastante e acaba ficando tudo no plano da percepção.

Em primeiro lugar não é um pensamento-sentimento acabado. Muda constantemente em face de nós mesmos. Nossos laços mudam a medida que crescemos e vemos o outro sob outro ponto de vista.

O que quero dizer é , simplesmente, que não é possível tratar a amizade como um conceito acabado de dicionário, quando estabelecemos que temos um "melhor amigo" ou amigo mais próximo, quase como um irmão, etc...

O fato é que os vínculos mudam junto conosco. Isto vale , por certo, para todas as formas de laços que temos.

Sob certas circunstâncias, parece que aquela sensação ou definição vai valer para sempre. E talvez até valha, se pensarmos que em nossa memória aquela referência permanecerá, cheia de gratidão e amor. Entretanto, no andar da locomotiva os espaços vão ficando distantes e os novos lugares nos transformam. Os episódios que vão se agregando a nossa história acabam por mudar os passados e abre-se uma imensa fossa, bem no meio da fortaleza conceitual chamada amizade.

O olhar para dentro e para trás vem de um ponto latitudinalmente muito distante do inicial.
Alguém já disse que vamos nos construindo a partir de nossas experiências com outros seres e estes deixam marcas indeléveis em nossa alma. São digitais que vão se imprimindo e nos tornam o que somos.
Certos traços não se preservam em nós e é uma ilusão crer no "pra sempre". Não há formas estanques em qualquer forma de vínculo ou relacionamento e como somos criaturas mutantes, transcendentes e irremediavelmente impermanentes, nenhuma forma de laço pode manter-se intocada. Há uma transitoriedade desconcertante na vida.

Há estações diferentes, que exigem roupa , comportamento e alimento adequados. Assim é o trânsito da vida com as tantas pessoas que aprendemos a amar e "conhecer" em suas cirucunstâncias. Nem sempre vai haver o encontro sincrônico das linhas imaginárias ( vidas) que conduzem a uma única e definitiva sentença.

O conceito que aprendemos com a Tia Suely na segunda série não passa de um embrião que vai passar por inúmeras fases de desenvolvimento cada vez mais distantes do absoluto, mas o fato é que é o componente mais importante , o que nos constrói, por estar presente em todos os outros (componentes).

É dele que vamos extrair elementos para apreciar e aquilatar toda e qualquer circunstância. É no entendimento da amizade que vemos nascer pressupostos como respeito, afeto, compaixão, honestidade e todos os que vão significar nosso existir.

Segundo Merleau-Ponty "as formas (....) uma síntese da natureza e da idéia, e são conjuntos de forças em estado de equilíbrio ou de mudança constante, de tal sorte que lei alguma pode ser formulada em relação às partes tomadas isoladamente, cada vetor sendo determinado, em grandeza e direção, por todos os outros."

Mais ou menos por aí funciona esta relação simbiótica entre os seres vivos e que é tão preeminente e saudável quando vivida à luz do respeito e da liberdade.

Este texto não tem owari- 終わり (fim), para usar outra expressão Kanji, assim como os laços que podemos construir ad-eternum. É preciso estar aberto para formar elos, desconstruir e reconstruir definições de nós mesmos em face do todo e cada parte.
Elos abertos by melind@
beijo

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