domingo, 16 de agosto de 2009

Simulacros atrás da cama...

Eu sempre detestei fazer minha cama. Hoje resolvi discutir nossa relação( minha e da cama) quando estava executando esta tarefa completamente inútil, mas que executo diariamente, tentado usar requintes do manual do camólatra. Tem outra coisa, eu não gosto que outra pessoa faça isso. Sinto-me invadida. Resolvi ir fundo na questão. São muitos anos de parceria que não podem ser tratados com desleixo.

Se considerar que passamos no mínimo um terço de nossas vidas na cama e mais algumas porções fazendo e desfazendo e até fazendo outras coisas. Ah...pensou sacanagem? Eu pensei em livros tá? Eu adoro ler antes de dormir. Também pensei em assistir TV, afinal também assisto TV na cama. Tolinho! Está aí sempre a imaginar que meus pensamentos são pura malícia. Mas vá lá, também vamos colocar o tempo em que fazemos estas outras coisinhas de alcova, e que também não é pouco. Ah, lembrei do tempo que ficamos na cama porque ficamos doentinhos, indispostos. É para nosso leito que corremos e tem gente que ainda gosta de chorar na cama que o lugar é quente. Imagina quanto tempo ficamos nos relacionando com o berço esplêndido? Credo. É uma relação de amor e dependência, de posse que temos uma pela outra. Morfeu, minha cama e eu somos um case!

Eu ainda teria que colocar um pouco mais do que este tal um terço( que inventaram pra vender colchões) porque acho que dormir oito horas é um absurdo. Imagino que o ideal seria dez, no mínimo. Já fui a doze, claro,mas isto não revelo, faz mal para o currículo. O que não iriam dizer aqueles xiitas que escrevem livros sobre saúde e comportamento.Aqueles terroristas anti-dorminhocos que ficam fazendo apologia das manhãs, dizendo como é bom e saudável acordar cedo e que " deus ajuda quem madruga". Isto é tortura ! Certo? Será que este pessoal não tem compaixão!Eu li um crônica inesquecível quando tinha cerca de 16 anos, na Seleções, cujo título era " Por que eu odeio as manhãs". O protagonista trava uma perseguição implacável ao mísero verme que inventou as manhãs. Percebi que não estava sozinha.

Confesso que me senti vingada pelo Jô Soares, um notívago assumido e um amante da cama em horários nada ortodoxos, por razões óbvias. Ele foi um desbravador do tema e quebrou tabus ao assumir perante as câmeras que dormia tarde e acordava muiiiiittttoooooo tarde .
É claro que eu não sou âncora de um Talk-Show às duas da madruga, mas isto é só um detalhe.
É por isso que fiquei pensando por que não gosto de fazer a cama? Cheguei a conclusão (após esse estudo profundo) de que fazer e desfazer a cama significa um momento de separação. Um trauma. Talvez me reporte ao momento do nascimento. Nascemos todos os dias. Tá bom alguns. Há também uma chance considerável de não acordar. Isto sim que você pensou. A experiência da morte. Ficou com medinho? Macacosmemordam! Acho que estou me excedendo.

O fato é que ao acordar pela manhã e sair daquele lugar quentinho, gostoso, macio e maravilhoso, quando não é mais, fazemos a cama para garantir que não vamos nos entregar a evanescente senhora de nossos sonhos novamente. É um momento de negação. Superamos, nos entregamos ao dia e a esquecemos. Fazer a cama torna-se um momento onde elaboramos o desfazimento de nossas conexões com os devaneios, a fantasia enebriante e com extraordinário domínio do inconsciente. Na hora de dormir , após termos vencido todos os apelos e barreiras da separação, quando imaginamos que estamos praticamente a salvo , curados de nossa dependência câmica...putaquepariza-se tudo, percebemos que ela ainda está dando as cartas e que vamos sucumbir a sua sedução . Off. Perecemos (traídos pelo sono) atirados a nossa própria sorte, de volta ao ciclo de vida e morte, enquanto só ela permanece vigilante( cama). Acha que já estou sendo dramática?
Dos dezesseis mil quinhentos e cinquenta e nove dias que vivi, foram dezesseis mil quinhentos e cinquenta e nove noites ( e pelo menos dez mil camas arrumadas). Isto sem contar é claro os nove meses que fiquei dormindo antes de nascer. Portanto, não dá para menosprezar. São mais ou menos cento e cinquenta mil horas de cama. É uma longa história de sonhos, afagos, aconchego e carinho mútuos. Ela já me levou pra voar sobre montanhas e mares, me colocou pra viajar em lugares fantásticos, me fez dançar, cantar, chorar, sentir medo, ficar muda , virar bebê e um sem número de experiências insólitas e outras quase sólidas. Já me fez viver romances com o Harrison Ford e o Marcelo Antoni, só para citar os mais populares e também já me fez andar sem corpo por aí. Já me ajudou a tomar decisões e me fez dizer coisas que eu pensei que não seria capaz. Me viu falar dormindo e também babar no travesseiro. Já foi minha cúmplice e não " fez minha cama" quando me pegaram dormindo no ponto. São muitas histórias que vivemos juntas.

E ainda vem a parte mais dramática, daqueles que saem da cama e pensam que vivem acordados, mas permanecem dormindo e vivem como zumbis, totalmente dominados, títeres do mundo moderno. Não! Não estou me referindo a você! Falo daqueles que passam o tempo do dia inconscientes, aquele interregno entre uma noite e outra sem viver a vida , sem aproveitar cada momento. Não você não é assim né!

O fato é que eu já estou me estendendo demais e já encontrei muitas vertentes sobre o assunto, e tudo começou simplesmente porque eu tenho que arrumar minha cama todos os dias. Eu sempre deixava uma parte amassada ou uma ponta solta e alguma parte mal estendida ( de propósito?) e pensava justamente que na próxima eu arrumaria melhor, afinal daqui a pouco tem que desfazer(imediatista).....E aí putaquiparilizou-se. E se não houver outra noite? E se for a última vez que nos encontramos, minha cama e eu?

Você deve convir que não é pouca coisa enfrentarmos todas estas experiências neopsicosociofilosoficas por uma existência e mais a eternidade e não nos revoltarmos nem um tiquinho sequer?

Sendo assim, agora que discutimos nossa relação com você , uma pessoa que sempre vê as coisas, com imparcialidade e tem bom senso para compreender a situação, ficou tudo mais claro e eu decidi que vou acabar este post aqui e com meu coração sossegado. And the oscar go to "Minha caminha ortopédica e antialérgica , minha confidente e amiga de todo sempre"!
A próxima vez que eu me acordar, amarrotada e em transe e tiver que abrir as janelas, retirar as cobertas, mover tudo, estender lençóis e espichá-los a exaustão vou pensar na nossa conversa e que é muito bom .

Beijos sonolentos

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