domingo, 25 de julho de 2010

Holofotes no crime.


Estas últimas semanas foram marcadas por crimes brutais , carregados pela violência e frieza, mas que não são novos e muito menos diferentes dos que vem sendo cometidos há séculos. Entretanto estava na boca de cada indivíduo a história do goleiro envolvido no homicídio da namorada. Na fila do banco, no salão de beleza , na ante-sala do consultório médico e até ( tristemente) em conversas entre crianças e adolescentes. Goleiro-futebol, Futebol-torcida, Torcida-criançada.

Da mesma forma estava outro crime em Guarulhos da advogada Mércia assassinada supostamente pelo ex-namorado. E assim repete-se a cada vez que um fato lamentável passa a ser turbinado pela mídia e vira comoção nacional .

Enquanto isso , a pouco mais de dois meses das eleições o que menos se destaca é o prato principal . Os candidatos e seus projetos de governo.

No nordeste o voto-bolsa-família, no Rio o coronelismo dos líderes do tráfico nas favelas e tudo continua como d'antes do quartel de Abrantes.

Os séculos que nos trouxeram até aqui contam as duras conquistas galgadas pelas mulheres, todas a custa de muita luta e dor. Entretanto quando tomamos conhecimento de fatos como os veiculados nestas últimas semanas envolvendo ídolos do futebol (questionáveis ídolos), concluimos simplesmente que um pouquinho abaixo da superfície do tecido social ainda somos(mulheres) vistas como cidadãs menores. Muito pior do que isto, nos acreditamos cidadãs menores.

O que leva alguém a permanecer ao lado de um companheiro apesar da humilhação, do medo e dos maus tratos? O que será que explica este tipo de sujeição?

Esta semana que passou eu estava em uma sala de espera enquanto rodava um desses programas sensacionalistas focados no dia à dia violento de alguns bairros da periferia de São Paulo. Prato cheio.

A equipe do programa acompanhava a viatura da polícia militar enquanto atendia uma ocorrência.
Ao chegar ao local a viatura encontrou uma mulher, vítima de agressão por parte de seu companheiro. De quebra o agressor bateu também em um vizinho e provocou alguns danos materiais .

Enfim, quando a vítima deu com a polícia e as câmeras desandou a correr pela rua como se estivesse soltando pipa. Corria de um lado a outro e gritava com o companheiro agressor que havia sido apanhado e imobilizado pelos soldados da brigada.

A mulher achincalhava o agressor à distância enquanto corria e pulava.

- Charles(aqui te batizo). Agora eu quero ver tu me dar porrada.- Cantava marra.

O agressor permanecia escondido atrás da gola como se nem fosse com ele . Olhar distante e constrangido.

Alguns vizinhos(prováveis testemunhas da violência cotidiana) vieram dar opinião enquanto o repórter repetia propositadamente as características do fato.

O soldado pacientemente tentava explicar à mulher que era preciso ir a delegacia fazer um boletim de ocorrência.

-A senhora está me entendendo?- repetia o militar.

E a Shirlei( aqui te batizo) continuava a correr e esbravejar sobre o Charles indefeso como um cordeirinho na outra calçada.

O soldado insistiu na ocorrência e a Shirlei simplesmente respondeu:

- Eu tô te entendendo meu querido. -ofegante- Não precisa ir na delegacia, eu só não quero mais apanhar dele!

Na verdade a Shirlei não queria perder seu companheiro, nem puní-lo, apenas cessar de apanhar. Queria muito pouco, apenas encolher-se com o que lhe cabia do mundo.

A polícia só estava ali apimentando o cenário entre ela e seu Romeu-algoz.

Esta pequena tragédia urbana selada pela fragilidade humana não é privilégio da miséria. Ela é parte da realidade de milhões de mulheres, das mais humildes às celebridades mais impensáveis.Relações perigosas das vítimas com seus carrascos.

Todas mulheres, todas abrangidas pelas mesmas instituições sócio-políticas e , ainda assim , caladas pelo fantasma do medo e da baixa autoestima. E sabe lá o que mais.
Lembro de uma minissérie da Globo chamada "Quem ama não mata" cujos protagonistas eram Marília Pêra e Cláudio Marzo. Excelente descrição de Euclydes Marinho, dirigida por Denis Carvalho e Daniel Filho. Foi em 1982 e me chocou bastante por eu nunca ter vivido qualquer contato com aquela realidade. O título se originou dos protestos em pichações contra crimes passionais (muitas vezes justificados pelo chauvinismo da defesa da honra machista), como o assassinado de Angela Diniz por Doca Street.
Parece que desde então muito pouco mudou. Ainda se lê fatos idênticos cujos criminosos ficam impunes, como o "recente" assassinato da jornalista Sandra Gomide pelo jornalista Pimenta Neves.Apesar de réu confesso, não há condenação.
Relações patológicas que não parecem explicáveis, repercussões absurdas e insolúveis. Até quando?
beijo passional
da melind@

    Fio  Entrei no absoluto e simples vagar do tempo. Invadi os espaços aparentes que reservei para um dia. Olhei minha própria fa...