domingo, 25 de julho de 2010

Saudades do futuro que acreditei...

"E é só você que tem a cura para o meu vício/
De insistir nessa saudade que eu sinto/
De tudo o que eu ainda não vivi. "
Renato Russo


Hoje eu conheci pessoalmente, por acaso, uma doce professora de alemão, de seus setenta e poucos anos, talvez oitenta. Destas pessoas que imediatamente evocam qualidades de um tempo.Em poucos minutos viajei por suas décadas e vislumbrei com saudades um tempo que nunca vivi.Talvez pura nostalgia. Lembrei de meus pais.Uma sensação estranha esta. Existem pessoas que se traduzem de uma forma tão própria que fica impossível reproduzir.

A geração que viveu na primeira metade do último século tem uma marca muito clara sobre a história que estamos colhendo agora. É possível sentir quase que fisicamente a vigorosa força construtitva que imprimiram ao mundo.

Aqui, em Bigrivertown, uma cidade antiga com função histórica muito bem definida, há um lamento saudosista dos tempos glamourosos que se foram . Algumas pessoas se tornaram museus históricos em carne e osso. Já restam poucas para falar da famosa Gruta Baiana, visitada por turistas internacionais ou ainda da Confeitaria Sol de Ouro, cujos doces tinham fama internacional. As grandes noites do Teatro Carlos Gomes, que cheguei conhecer já um pouco destruído. Também dos áureos tempos do Teatro Glória ou do Café Dalila(meu contemporâneo).Um tempo onde comprava-se em armazéns , como o Sete de Setembro , do seu Elisiário, marido da Dona Júlia, que comprava suas frutas e legumes de um Verdureiro que vendia de casa em casa com uma imensa carroça, abarrotada de delícias frescas e gostosas. Tempos de retirar livros da antiga Biblioteca Pública. E andar de Bonde?

Um porto de grande visibilidade e rotatividade que era inclusive rota do turismo internacional.

Me chamou atenção este encontro justamente porque a cidade está vivendo um momento de reaquecimento. Infelizmente não do ponto de vista cultural. Não sob o ponto de vista da cordialidade e urbanidade. Resta apenas um cinema na cidade e outro no balneário, mantido valentemente por seu proprietário, durante os bons e difíceis tempos vividos pela sétima arte(no velho estilo). O Teatro Municipal(único) vive altos e baixos, é de tamanho pequeno e não comporta grandes espetáculos. O número de habitantes multiplicou-se , o trânsito tornou-se caótico e as motos entulham a face urbana e empoirada dos prédios misturados. Cidade Velha. Cidade Nova. Fachadas antigas alternadas com prédios modernos. Lâminas de asfalto contrastando com ruas calçadas com paralelepípedos( palavra que adorava usar para brincar de forca quando era bem criança).

Alguns patrimônios resgatados subutilizados.

A forte presença portuguesa que aqui fincou suas raízes e da qual sou remanescente começa a perder-se em ruínas e grafites mal ajambrados.

A influência dos imigrantes europeus que vieram trabalhar nas fábricas que despontavam aqui no antigo distrito industrial é evidente no capricho estético das imagens do passado.

O belo canalete das Hortências transformado em esgoto e lixão.

A história das coisas anda pelas ruas , sob o sol, derrama-se pelos cabelos brancos com a solidez das mãos trêmulas da professora de nome forte. Narrou com finura sua curiosidade ao conhecer Dilermando de Assis, protagonista da trama que ceifou a vida de Euclides da Cunha e que aqui esteve "degredado" por um tempo. Personagem das perseguições sofridas pelos imigrantes alemães no período Vargas, presenciou com a mesma envergadura os momentos em que viu achincalhada sua família, por conta da origem alemã, enquanto o mundo voltava-se contra o totalitarismo e se deparava com o holocausto. Tempos dominados ainda pelo ranço oligárquico da República, sob o governo do populista Getúlio. Assitiu impassível os revezes que a vida lhe mostrou. Vigorosa como toda verdade, ela não se repete, mostrar-se sem pudor.

Revelou sua história sem parcimônia, mas com a prudência e a sensatez dos sábios.
Ela conversa na calçada, é carregada pelo vento e entornada nos ouvidos vazios da grande maioria dos habitantes a procura de suas rotinas frenéticas. Perde-se um tesouro.

O passado anda de braços dados com ela, em seu rosto e pelo seu corpo encurvado e sóbrio. Um passado revelado pela sabedoria que colheu de suas vivências.

A contemplação das eternas contradições em nossa cultura.

A verdade é frugal, sem tempo para teatros. É simples, como tudo deveria ser. Apenas é.

    Fio  Entrei no absoluto e simples vagar do tempo. Invadi os espaços aparentes que reservei para um dia. Olhei minha própria fa...